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sábado, 1 de janeiro de 2022

Bono escreve artigo para a Times sobre Desmond Tutu - Parte II


Este homem não teve distância para viajar até o santuário de sua fé. Não era uma igreja ou uma catedral. Ele apenas tinha que fechar os olhos e estava lá. Ele me ensinou que a oração não é uma fuga da vida real, mas uma passagem para ela.
Isso foi por volta da metade de meus quarenta anos de perseguição ao Arch e sua interpretação radical dos evangelhos. A visita à Cidade do Cabo me fez mergulhar na campanha do Jubilee 2000, que levou os países mais ricos a perdoar as dívidas dos mais pobres. Ela me alistou na luta contra o que ele descreveu como escravidão econômica, e na batalha pelo acesso universal aos medicamentos para Aids e, todos esses anos depois, na campanha pelo acesso eqüitativo às vacinas da COVID-19.
Como resultado de sua advertência e incentivo, juntei-me a ativistas que conheci ao longo do caminho para co-fundar três ONGs: DATA, (RED) e ONE, da qual Tutu era o patrono internacional. Todos as três, ao lidar com a pobreza extrema, tiveram que enfrentar o racismo estrutural descrito por Tutu, combinando sua capacidade ilimitada de alegria com uma raiva ilimitada da injustiça.
O trabalho de sua vida deixou claro que nunca foi suficiente para os ativistas denunciarem a injustiça. Tutu teve a ousadia de exigir que também jantássemos com nossos inimigos - tornar-nos conhecidos uns dos outros no que o Papa Francisco mais tarde descreveu como uma cultura do encontro. A Comissão de Verdade e Reconciliação presidida por Tutu não era um olhar no espelho, era difícil se encarar: dos 7.112 pedidos, apenas 849 foram anistiados.
Mas o confessionário público que fornecia tinha valor em si mesmo. Neste espaço radical, o próprio Arch chorando e lamentando parecia oferecer uma permissão para que os outros se dilacerassem ao contarem suas histórias; como ele viu, pode ser necessária essa permissão para uma sociedade - não apenas um indivíduo - abrir seu coração e suas feridas ao escrutínio de uma consciência coletiva. Essa ideia se espalhou pela Irlanda do Norte, Bósnia, Oriente Médio - quase todos os cantos do conflito no mundo.
Por este e tantos motivos, vamos sentir falta do trabalho de Tutu e de seu testemunho. Sentiremos falta de sua voz em um mundo manchado pelo que Tedros Ghebreyesus, o diretor-geral da OMS, chamou de "vacina do apartheid". Sentiremos falta de seu exemplo em uma época em que a verdade está sob cerco e a reconciliação um sonho distante, uma época em que, na América e no resto do mundo, a injustiça racial permanece profunda e sem solução.
Em nossa era, não menos do que aquela que Desmond Tutu definiu, temos que enfrentar fatos difíceis e confrontar verdades ainda mais difíceis; precisamos de uma descrição completa de como nos tornamos nós mesmos, tanto como países quanto como indivíduos. O trabalho de Tutu, que nunca foi só dele, deve continuar. Estamos feridos, com cicatrizes e divididos, mas precisamos nos ver, em toda a nossa fragilidade, antes de podermos consertar.

POR BONO - 31 DE DEZEMBRO DE 2021
Bono é o vocalista do U2 e co-fundador da ONE e (RED)
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