Em 1998, ele fez 17 viagens de helicóptero sobre o Rio de Janeiro com Bono, The Edge, Larry e Adam, a quem tinha pagado US$ 8 milhões para realizar o primeiro show do U2 no Brasil - visto, na época, por um público estimado em 250 mil pessoas. Tinha reuniões com prefeitos, secretários, comandantes policiais. Dava coletivas para centenas de jornalistas. Era bajulado por globais e assediado pela nata do entretenimento. Jantou com os Rolling Stones na Itália e obteve autorização do agente do Pink Floyd para negociar um show exclusivo na América Latina.
"Desde então, tentei, tentei, tentei. Mas, durante 13 anos, eu não consegui mais trazer nem um circo de pulgas ao Brasil", diz o empresário brasileiro Franco Bruni, aquele homem que realizou, quando tinha 44 anos, o sonho dos promotores dos anos 90: numa época ainda incipiente para o show biz nacional, efetivou aqui a PopMart Tour, a primeira turnê da banda irlandesa no País, uma das maiores do mundo (hoje completando 35 anos de carreira). Estima que gastou US$ 17 milhões para realizar o sonho, que hoje tornou-se pesadelo. "A sensação é que um pedaço de mim ficou ali", desabafa Bruni hoje, aos prantos.
A palavra problema não abarca tudo que aconteceu em 1998. Para começar, o show do U2 no Rio, que seria no Maracanã, teve de ser transferido emergencialmente para o autódromo da Barra. O motivo foi que não era possível entrar no estádio com o guindaste necessário para a montagem do show - faltavam 8 cm para a máquina passar pelos portões, o que levou a organização a pensar em cavar o excedente. Mas a administração do Maracanã não possuía as plantas originais de arquitetura, o que impediu a ação - aquilo poderia abalar as estruturas do estádio.
Bruni decidiu levar o show carioca para um local de acesso complicado, sem apoio do trânsito nem da polícia. A improvisação ajudou a causar um tumulto sem precedentes na cidade. Ficou conhecido como ‘O Dia em que o Rio Parou’. Pessoas abandonavam os carros para tentar chegar a pé até o autódromo. Houve queda de energia nas imediações do local do show, obrigando à adoção de iluminação de emergência. Teve gente que só conseguiu voltar para casa com o dia já nascendo.
Mas tudo teria sido apenas uma série de falhas memoráveis de administração pública e organização, não fosse por um cruel desdobramento. Em 22 de novembro de 2000, o U2 regressou ao Brasil somente para fazer um show promocional para 400 Vips, no Rio, e um circo televisivo. Em entrevista, o baterista Larry Mullen Jr. e o cantor Bono ‘descascaram’ o seu antigo parceiro brasileiro. Segundo eles, Franco Bruni não teria honrado compromissos com fornecedores, serviços técnicos, parcerias. Larry foi o mais incisivo - acusou Bruni inclusive de ter dado calote em parte do cachê do grupo. Bruni conta que, na época, estava iniciando tratativas para realizar um festival que festejaria a passagem do milênio, com patrocinadores pré acertados e parceiros. Após as declarações, publicadas no jornal O Globo, tudo gorou - o festival foi por água abaixo. Bruni sentiu-se isolado, sem possibilidades de trabalhar, de arriscar empreendimentos.
Os amigos de Bruni lembram que ele, a partir dali, passou a andar com uma mala cheia de documentos para, cada vez que fosse inquirido, provasse todos os pagamentos que fez. A mala tem 40 quilos, e na entrevista ao Estado, enquanto falava, Bruni manuseava dossiês e mais dossiês. Mas nada disso adiantou. "Foi então que eu decidi ir à Justiça para recuperar minha honra e minha credibilidade", diz. Ele conta que a situação piorou a partir de 2001, quando o processo se iniciou. "As pessoas me diziam: como vou fazer parceria com um cara que processou o U2?"
A determinação de processar o grupo trouxe um problema adicional: como citar os músicos, que são irlandeses? O Reino Unido não tem esse tipo de acordo jurídico com o Brasil. Mas o dia chegou: em 2006, quando o U2 trouxe a turnê de Vertigo ao País, oficiais de Justiça entraram no avião do grupo ainda na pista do Aeroporto de Cumbica, apesar dos protestos dos ocupantes. Ordem judicial, polícia na pista. Citado, o baterista Larry Mullen Jr. anotou na carta precatória: "Eu não li isso e não aceito nenhum dos seus termos". As anotações foram disputadas pelos cartorários da 3.a Vara Cível de Balneário Camboriú (SC), onde a ação corria - para os fãs, uma rara memorabilia. Cinco anos depois, saiu a decisão, publicada há 60 dias: a juíza Dayse Hegert de Oliveira Marinho condenou o U2 (e, como réu solidário, o jornalista de O Globo que publicou a entrevista) a pagar o equivalente a R$ 2 milhões (em valores corrigidos) a Bruni.
O U2, oficialmente, não comenta ações judiciais contra a banda. Seus advogados teriam de interpor recurso até o dia 26 deste mês, mas não se sabe se recorreram. De qualquer modo, um lado já recorreu: o próprio Bruni, que acha a indenização pequena. Quer US$ 8 milhões, valor do cachê que a banda disse que não tinha recebido. Outra questão que incomodou Bruni é que o único condenado da banda foi o baterista Larry Mullen Jr. Ele quer que Bono seja incluído entre os citados.
ENTREVISTA com Franco Bruni (EX-EMPRESÁRIO DE SHOWS)
‘AINDA ADORO ESSE GRUPO’
Quais foram os resultados desse episódio na sua vida?
(Chora). Tive o prazer de ter momentos felizes na vida... Virou tudo um grande inferno. Mas eu não morri, e se Deus me permitiu viver é porque eu vou continuar.
Você não teve lucro com o U2?
Prejuízo eu não tive, mas o lucro ficou por conta dos custos e do cachê. Paguei o maior cachê da Terra. Fora os cachês pagos por milionários russos, para festas particulares em Dubai.
Você pretende retomar a carreira?
Essa decisão judicial favorável a mim correu o mundo. Tive pedidos de entrevistas do mundo todo. Capturei matérias na China, na Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos. Pretendo fazer uma coletiva no dia 7.
Você era, além de empresário, um fã extremado da banda. Deixou de gostar deles?
Olha, meu nome é Franco. Então, vou morrer brigando. Mas vou ser sincero: eu adoro o U2. Gosto da música deles, eu não gosto é do que eles me fizeram.
E se eles lhe pedissem desculpas publicamente?
Eu sou cristão, não sei se eles são. Eu busquei, antes de entrar na Justiça, por um contato com eles. Fui para os Estados Unidos, para o Chile, para a Argentina. Eu estou aqui para perdoar. Mas o prejuízo que eles me causaram tem de ter reparação. São mais de 10 anos sem conseguir trabalhar, sendo humilhado, ouvindo dizerem: "Não podemos nos associar a você, você processou a maior banda do mundo".
Do site: www.estadao.com.br