Quando Bono e o U2 viajam em turnê, junto está a ONE, uma das organizações de ação social da qual Bono foi co-fundador em 2004.
As outras organizações das quais Bono faz parte são a DATA (Dívida, AIDS, Comércio, África), criada em 2002, e a RED, criada e dirigida por Bobby Shriver. A RED arrecada fundos com a venda de produtos que são ícones globais e o dinheiro é destinado ao combate à tuberculose, AIDS e malária.
O CEO, o grande executivo da ONE, é Joshua A. Bolten. Este cidadão, que toca a banda social de Bono na ONE, trabalhou por 6 anos na Casa Branca, diretamente com o presidente dos EUA, George Bush, o Júnior.
Joshua Bolten dirigiu a Administração e o Orçamento da Casa Branca de 2003 a 2006 e foi Chefe de Staff na sede do governo entre 2006 e 2009. Sim, Joshua trabalhou com Bush Júnior, aquele dos poderosos lobbies. E foi esse o motivo, lobby (valendo o sentido norte-americano do termo) que levou Bono a trazer Joshua para a ONE.
Joshua esteve na conversa entre Lula e Bono, que se deu na segunda-feira dia 11 de abril, entre as 14 e as 16 horas na Suíte Presidencial, 19º andar do Hotel Sofitel/Ibirapuera. O U2 estava no Brasil com a turnê 360º.
Presentes e testemunhas do encontro o empresário Paulo Okamoto - um dos coordenadores do Instituto Lula -, Marisa Leticia e outro assessor da ONE, Oliver Buston. A tradução ficou por conta de Sérgio Ferreira, o mesmo que trabalhou com Lula na Presidência.
Num dos trechos principais da conversa, no seguinte diálogo, disse Bono, textualmente, palavra por palavra, ao ex-presidente do Brasil:
-Deixe-me dizer uma coisa que talvez seja impertinente.
-Pode dizer...
-... o seu trabalho, agora que você deixou a presidência, ele de certa forma só começou. Deixe-me sugerir que há um trabalho maior, que envolve 1 bilhão de pessoas, e sua presença física...
-Sim...
- Você é nosso chefe! Nós temos 2 chefes. Nelson Mandela...eu fui do movimento anti-apartheid quando o Nelson Mandela pediu para eu me envolver... temos o Nelson Mandela e (Desmond) Tutu, mas eles se aposentaram. Nós olhamos em volta e quem pode nos ajudar a levar as coisas adiante? Nós trabalhamos com a direita e com a esquerda, com Bush...
Nesse instante, Bono interrompe sua fala e pergunta:
-...bem, quem está à esquerda de Bush?
A resposta é de Joshua, o ex-assessor de Bush:
-À esquerda do Bush? Todo mundo está à esquerda do Bush...
Finda a gargalhada geral, Bono prossegue:
-...trabalhamos com a direita e com a esquerda, com Bush e com Gordon Brown. Mas esse modelo antigo quebrou. Agora há um novo centro.
-Sim...
-Eu sugiro que o seu destino é pegar isso que você fez no Brasil e levar adiante. Eu tremo ao dizer isso, porque o senhor já poderia se aposentar, mas o senhor é um lutador e está pronto para a batalha.
Sob atenção e testemunho de Joshua Bolten e dos demais, e em meio a elogios, disse ainda Bono à Lula:
- O senhor é um homem mágico, mas nós não acreditamos em mágica, acreditamos em estratégia e sabemos que o senhor tem estratégias. Nós queremos conhecer as suas estratégias.
Lula, na síntese de sua resposta, disse:
-Eu quero que vocês saibam que eu estou nessa luta pela África de corpo e alma.
No início da argumentação, Lula discorreu sobre seu período de governo.
Falou das iniciativas em relação ao continente africano (embaixadas, fábrica de retro-virais, a universidade federal Luso-Afro-Brasileira em Redenção, entre outros exemplos) e relatou:
-A elite brasileira me criticou muito por isso, mas para mim o Oceano Atlântico é apenas um rio (...) o Brasil tem uma imensa fronteira com a África e muitas possibilidades de parcerias.
Na sequência, o ex-presidente esmiuçou algumas políticas públicas do seu período; do Bolsa Família e ampliação do mercado interno ao Luz para Todos, contou que seu governo "foi bom também para os ricos" e, em determinado momento, deve (é de se supor) ter provocado alguma perplexidade no ex-assessor de George Bush. Isso, no instante em que disse:
- Foi preciso um metalúrgico socialista para implantar o capitalismo no Brasil e ampliar a criação de empregos...
Nesse clima de diálogos surpreendentes, o republicano Joshua Bolten também não se furtou em fazer sua frase. Confessou o ex-assessor de Bush:
- Me juntei à ONE porque nos meus anos na Casa Branca nunca vi um lobbista tão eficiente quanto o Bono...
Bono relatou a Lula o que quer com a ONE: que ela seja uma força global de lobby para os pobres, algo tão forte como a NRA é para quem defende a posse de armas nos Estados Unidos...
Disse ainda o líder do U2 que a África hoje "olha para dois lados" e que vê estes lados, a Ásia e o Brasil, como exemplos de locais que tiraram pessoas da pobreza.
Bono fez um reparo quanto à direção dos olhares da África:
- Enquanto a Ásia é autocrática, o Brasil é um modelo democrático, um modelo que eu prefiro...
O líder do U2 elogiou muito a Mo Ibrahim, um empresário sudanês de telecomunicações que paga um prêmio de U$5 milhões para os presidentes africanos que deixem os governos sem tentar a ampliação dos mandatos originais.
Mo Ibrahim, para Bono, é modelo de empreendedorismo, tecnologia, transparência e democracia para a África.
Um dos pontos da conversa entre Bono e Lula foi a China. O líder do U2 pediu a Lula que ajude a convencer os chineses a aprovar uma lei para garantir a transparência dos investimentos da China na África. Ou seja, a ideia é tentar cercear, ao menos diminuir, a corrupção.
Na quinta-feira, 14, se reuniram as equipes da ONE, sem Bono, e a que está criando o Instituto Lula.
O ex-presidente informou a Bono que está "construindo" a proposta do Instituto Lula para a África e ambos combinaram de voltar a conversar........