Mesmo que mantenha seu status como uma das poucas bandas que ainda conseguem encher estádios, o U2 se supreeende com a rapidez com a qual seu mundo tem mudado – musicalmente e politicamente.
O carismático líder da banda, Bono, em humor meditativo conforme o U2 encerra a passagem de sua turnê "360" pela América do Norte, nota uma atmosfera diferente e mais polarizada nos Estados Unidos desde que a banda cantou seu hino, "City of Blinding Lights", na posse do presidente Obama em janeiro.
"Eu não achava que se chegaria a isto tão rápido, depois da alegria daquela eleição", disse Bono em uma entrevista a bordo do avião da banda, conforme eles seguiam para a próxima parada da turnê. "Eu achava que a América parecia bem... Agora as coisas estão ficando difíceis."
Bono diz manter contato com Obama e estar confiante que o presidente cumprirá as promessas feitas durante a campanha, incluindo o assunto favorito do cantor: o financiamento do combate à Aids na África. "A gestão Obama está apenas começando. (Ele) prometeu dobrar a ajuda nos próximos anos, porque embora (o presidente George W.) Bush tenha triplicado o valor... os Estados Unidos ainda oferecem metade do que os países europeus doam como porcentagem e eu acredito que ele sabe que isto não é certo".
Enquanto isso, o astro do rock Bono e o próprio U2 passam por algumas dificuldades – por mais incongruente que isso possa parecer para uma banda que terá se apresentado a milhões de pessoas antes que a turnê seja encerrada no próximo ano (O U2 encerrou sua passagem pela América do Norte em Vancouver, British Columbia.)
Como muitas bandas na era digital, o U2 luta para conseguir novos ouvintes. Seus membros admitem frustração com a média de vendas do seu álbum mais recente e imaginam, como o baixista Adam Clayton explica, se a ideia de fãs apaixonados por rock já não é uma coisa do passado (Um experimento – o U2 transmitiu um dos shows em Los Angeles no YouTube).
"Os desafios comerciais têm que ser confrontados", disse Clayton durante uma entrevista nos bastidores do programa "Saturday Night Live", enquanto esperava pela apresentação da banda. "Mas eu acho, de certo modo, que o desafio mais interessante é, 'O que é o rock'n'roll neste mundo em mudança?' Por que, até certo ponto, o conceito do fã de música – o conceito da pessoa que compra música e escuta música pelo simples prazer da música – é uma ideia antiquada."
O último CD da banda, No Line On The Horizon, estreou no topo das paradas de sucesso quando foi lançado, e vendeu respeitáveis um milhão de cópias, de acordo com a Nielsen SoundScan. Mas o CD, que traz experimentações do U2 com música mais eletrônica, é o álbum de menor venda da banda em mais de uma década. Ele representa uma queda marcante do álbum How to Dismantle an Atomic Bomb, de 2004, que vendeu 3,2 milhões de cópias até hoje, e de All That You Can't Leave Behind, de 2000, que vendeu 4,3 milhões de cópias.
No Line também é um álbum que não tem uma faixa de sucesso marcante. O último CD do U2 teve "Vertigo", que não foi uma música muito grande nas paradas de sucesso, mas se tornou tão onipresente graças ao comercial do iPod da Apple que pode ser considerada número um.
O primeiro single de No Line – a acelerada e otimista "Get on Your Boots" – não tem uma plataforma semelhante e não chegou ao topo da parada de 30 sucessos da revista Bilboard. Enquanto isso, "I'll Go Crazy If I Don't Go Crazy Tonight" foi usada no comercial do Blackberry como parte da nova parceria entre o aparelho celular e o U2, mas não foi lançada como single.
Músicas do novo álbum são claramente um sucesso entre os fãs assíduos da banda. "Get On Your Boots" arrancou mais de uma resposta frenética da multidão durante um show recente em Foxborough, Massachussets, perto de Boston, como fez a música de encerramento, "Moment Of Surrender". Ainda assim, o álbum não teve o impacto que o U2 esperava.
Notando que as músicas mais famosas do U2, como "Beautiful Day" ou mesmo "One" não foram sucessos imediatos ou de grande impacto, Bono reconhece estar decepcionado que a banda não tenha "estabelecido músicas populares" com seu novo trabalho.
"Mas nós realmente não estávamos atrás disso", ele disse, "e sentíamos que o álbum era uma espécie quase em extinção, e nós deveríamos lidar com ele em totalidade e criar um humor e um sentimento, um começo, meio e fim. E eu acredito que fizemos um trabalho que está desafiando um pouco as pessoas que cresceram com uma dieta de astros do pop".
Alguns diriam que os roqueiros irlandeses – Bono, Clayton, The Edge e Larry Mullen Jr. – continuam a ser o maior espetáculo do pop. Eles estão entrando na sua quarta década como músicos de sucesso com uma série de prêmios, de Grammys a Billboards e Globos de Ouro, milhões de discos vendidos e um impacto social que poucas bandas podem esperar alcançar. Ainda assim, eles se veem na mesma posição difícil da maioria das bandas pop de hoje, que precisam encontrar novas formas de se relacionar com os consumidores de música em uma indústria em declínio e um mundo de entretenimento cada vez mais fragmentado.
"A música existe em um ambiente onde as pessoas estão realizando múltiplas tarefas simultaneamente e eu acredito que este é um ambiente muito diferente", afirma Clayton, que cresceu apreciando jazz mas percebeu que "era para pessoas que viviam a vida de um certo modo, mas não era parte do mundo moderno para mim". "Eu temo que o mundo do rock no qual eu cresci está destinado a acabar assim."
O U2, é claro, não está em perigo de se tornar uma banda que será ouvida apenas em clubes obscuros ou em estações de rádio de nicho. Sua turnê "360°" é um empreendimento gigantesco que faz com que a banda se apresente no centro de estádios, por isso o nome "360°". A produção, que inclui palcos que levam dias para serem montados, foi uma das turnês mais lucrativas no país desde que começou em setembro de 2009, apesar de preços que ultrapassam US$ 250 (pelo menos 10 mil ingressos foram disponibilizados a US$ 30 para cada show). E quando a banda tocou no Estádio dos Giants, em East Rutherford, Nova Jersey, quebrou recordes de audiência com uma plateia de cerca de 84.500 fãs.
"De muitas maneiras, o U2 teve tamanho sucesso ao longo dos anos que somos quase blindados contra isso", disse o gerente de longo tempo da banda, Paul McGuinness, falando sobre o U2 e o declínio da indústria da música. "Ainda estamos vendendo muita música gravada, mas esta é uma parte muito menor do nosso negócio do que tocar ao vivo. Quando esta turnê acabar, nós teremos tocado... para quase 6 milhões de pessoas."
É nos shows ao vivo que o U2 sente sua grande conexão com o público. Apesar dos shows em estádio e da imensa estrutura do palco, a banda insiste que desta vez, a montagem criou uma intimidade maior com os fãs do que no passado. Eles ficam literalmente rodeados por fãs.
"O palco em si é algo que temos tentado há muito, muito tempo. A ideia de tocar 360 nunca foi realizada com sucesso da forma que todos tenham um bom som e visão, e eu acho que nós conseguimos isso", diz Mullen, que como o resto da banda, é afável e respeitoso ao falar sobre o U2 nos bastidores do "SNL". "O importante para o U2 sempre foi sua plateia e seu ambiente. Eu acho que a audiência é tão importante e a sua reação ainda mais", ele afirma.
Em turnê, o U2 consegue ver melhor a reação dos fãs ao material novo. No cavernoso Estádio Gillette perto de Boston, a reação foi quase tão frenética e apaixonada quanto aquela que o U2 recebe por seus sucessos clássicos. A multidão gritou em uníssono quando a banda abriu o show com "Magnificent" e a energia aumentou conforme o U2 tocou outras quatro canções novas, incluindo "Get On Your Boots".
"Julgando pela reação ao álbum ao vivo, eu acho que conseguimos nos conectar", disse The Edge. "Há muitos álbuns que fazem ótimas primeiras impressões. Pode haver uma canção que vira um sucesso na rádio, mas eles não são álbuns que as pessoas... ouvem muito".
"Este é um que eu entendo ao falar com as pessoas. ... Quatro meses depois, elas estão dizendo, 'eu realmente estou gostando do novo álbum agora'".
O U2 ainda corre para promover o CD. Quando foi lançado em março, o grupo participou do programa "Good Morning America" e fez uma participação inédita do programa "Late Show With David Letterman". Mais recentemente, o U2 apareceu no "SNL".
"Eu amo ver uma banda imensa como o U2 se comportar como se estivessem no jardim de infância e fazer o que se faria com seu primeiro álbum – levando ele à feira de rua, armando uma barraca, vendendo o produto nas esquinas, entregando panfletos", diz um animado Bono, abrindo um amplo sorriso por trás de seus famosos óculos de sol. "Eu acho que se vender é quando você para de acreditar na sua música o suficiente e deixa de tentar explicá-la as pessoas."
A parceria entre o U2 e o Blackberry inclui um aplicativo que permite que os usuários baixem o CD e fotografias, além de outros conteúdos, para o aparelho. Ainda assim, a banda é cuidadosa quando se trata de novos caminhos para promover sua música.
"Nós estamos tentando para fazer tudo o que podemos neste fronte sem ter que mudar o que somos artisticamente: a música continua sacrossanta", afirma The Edge. "Nós nos concentramos muito mais em ser a melhor e não a maior [banda]".
E isso talvez significa fazer o tipo de álbum que não tem faixas de sucesso mas garante a surpresa e novas ideias, algo que No Line conseguiu. "O maior perigo para uma banda como o U2 está em aceitar que atingimos uma certa idade e, por isso, você pode simplesmente deixar tudo acontecer", disse Mullen.
"Não é isso o que nós buscávamos. Nós queremos fazer música pertinente, música boa, e como Bono disse muitas vezes, 'Com um álbum ruim você está fora'", ele acrescenta. "Nós conseguimos evitar isso até agora."