Do livro U2 BY U2:
BONO: Estávamos em alguma parte da Alemanha e Bob Geldof me telefonou. A princípio fiquei sem saber o que pensar daquele telefonema, pois o Bob era irlandês e nós o admirávamos muito, mas eu só me lembrava das discussões que tínhamos por ele achar que o rock ‘n’ roll devia manter-se afastado da política e da demagogia e ser atrativo, divertido e picante. Os Boomtown Rats estavam muito longe dos Clash. Por isso foi estranho receber um telefonema do Geldof para falar sobre a África. Mas ele falou tão bem, de uma forma incomparável, que quando desliguei o telefone, pensei: “Como vou conseguir que a banda concorde com isso?” Eles sabiam que a tragédia da Etiópia precisava de uma resposta, mas conheciam o plano de trabalho e sabiam que ia ser muito difícil. Por isso eu concordei e a banda não. O Edge não podia, tinha família, o Larry tinha coisas para fazer e o Adam disse: “Está bem. Eu te dou uma ajuda.”
ADAM: Fomos para o Basing Street Studios, na parte ocidental de Londres. Quando chegamos, percebemos que a tenda de comunicação social estava montada: jornais, câmeras de televisão e fotógrafos. Estavam todas as pessoas lá sendo empurradas por aquele mundo de estrelas pop londrinas, era esmagador. Eu me senti um intruso. Todas aquelas pessoas pareciam conhecer umas as outras e sentiam-se à vontade naquela situação bizarra. Eu não sabia o que fazer e nem para onde ir. Lembro-me de ouvir o George Michael conversando com o Boy George e lhe dizer que passava a vida toda perdendo os cartões de crédito e que isso era maçante. Eu não sabia o que estava acontecendo. Sentia sempre um pouco intimidado pelo Geldof, pois ele era grande, rude e de Dublin, por isso, tentei passar despercebido. Eu tinha consciência que estava ali para acompanhar o Bono e para contribuir de todas as formas possíveis. O Bono, que tinha sido convidado para cantar e eu sabia que ele não queria ir sozinho a uma coisa daquelas.
BONO: Fiquei pouco à vontade, estava muito inseguro. Aquela era a nata londrina do pop na era dos maus penteados. Parecia um congresso de cabelereiros. E nós éramos uma banda irlandesa de rock que tinha conquistado a América. As pessoas nem sabiam o que pensar de nós, limitavam-se a nos olhar como quem diz: “Vocês nem se quer parecem estrelas de pop.” Era o que parecia. Diga-se de passagem, ninguém também se esforçou para me fazer sentir melhor, exceto uma pessoa: Simon Le Bon. Ele percebeu que eu me sentia deslocado e veio conversar comigo: “Quer beber alguma coisa? Você está bem?” Nessa fase o Duran Duran era super estrela do pop, e eu achei que ele era engraçado e divertido. É que eu era tudo, menos divertido. Depois, li a letra de ‘Do They Know it’s Christmas’ e achei que era uma letra boa, mas me recusei a cantar o verso que dizia: 'Tonight thank God it’s them instead of you'. É um verso mordaz e revela que no fundo, todos somos egoístas. Acho que o Bob estava tentando ser honesto, autêntico e auto-acusador. Em vez de cantar: We’re lucky it’s not us dizia: Well, when you say that, you mean lucky it’s them. Now look at it. Now look at yourself. Então fui falar com Bob e ele me disse: “Quero que cante esta frase aqui.” Eu retorqui: “Não me diga que é aquele verso?” Ele disse: “É esse mesmo.” “Não posso cantar Bob.” “Não pode cantar esse verso? Por que?”. Disse que eu não queria cantar aquilo e ele disse: “Não se trata do que você quer, entende? O importante é o que estas pessoas precisam.”
Eu era muito novo para dizer: “O importante é o que você quer, não é?”. Mas era o show dele e eu me sentia feliz por participar. Sabia que aquele verso precisava de força. Fiz uma espécie de imitação do Bruce Springsteen, foi o que me veio na cabeça.
ADAM: Não sou cantor. Mas cantava no refrão. Há uma fotografia de todos no estúdio cantando o refrão e foi bom particularmente. A música alcançou o primeiro lugar. Foi uma época incrível. Talvez tenha sido uma reação aos anos em que Tatcher governou, quando se sabia que um governo conservador não iria provavelmente se interessar pelos problemas africanos - não sei. Mas parecia que quando Geldof apareceu, o poder daquela geração, conseguia realmente fazer alguma coisa. Talvez sentíssemos que éramos capazes de resolver os problemas mundiais – hoje em dia acho que já não acontece a mesma coisa. É interessante que, no trabalho do Bono, ele é capaz de alcançar mais introduzindo no mundo político do que incentivando as pessoas a fazerem marchas e protestos pelas ruas, o que não parece ter dado muito resultado nos últimos anos.
Trecho de um documentário sobre a gravação de "Do They Know It's Christmas" do Band Aid, onde Bono e Bob Geldof comentam sobre a participação de Bono na canção: