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sexta-feira, 16 de março de 2018

Rio De Janeiro sem shows do U2: logística para se transportar os equipamentos mastodônticos entre duas cidades tão próximas não justificaria os gastos


Publicado no site da Veja (Rio), em 25 De Outubro de 2017:

Não é raro as pessoas desenvolverem uma relação ciclotímica com o Rio De Janeiro, em que alternam uma admiração efusiva pela beleza estonteante da cidade ao mesmo tempo que a rejeitam ferrenhamente por seus muitos e evidentes defeitos. Esse parece ser o caso dos membros da banda irlandesa U2 a se tomar como amostra sua recente passagem pelo país na turnê The Joshua Tree Tour. Com quatro shows marcados no Estádio do Morumbi, o último deles na noite desta quarta (25), a banda incluiu ainda uma parada em Bogotá, uma em Santiago e duas apresentações em Buenos Aires na ramificação latino-americana. Os cariocas, como já havia acontecido em 2006 e em 2011, ficaram a ver os jatos da turma passar. Aliás, a trupe até aterrissou por aqui. Bono e companhia aproveitaram a folga em que não teriam nada para fazer na capital paulista para curtir o mormaço do dia nublado – de roupa e tudo – na piscina do Hotel Fasano, em Ipanema. Vieram para o casamento da modelo paranaense Michelle Alves com o americano Guy Oseary, empresário da banda (e de vários outros medalhões do show biz, como Madonna e Alicia Keys), aos pés do Cristo Redentor.
A pergunta que fica é: se houve disposição para passear pela cidade e até curtir a festa de casamento na mansão de Luciano Huck e Angélica, no Joá, por que não houve show para os fãs cariocas? Procurada, a organizadora da turnê, a Live Nation, não se pronunciou a respeito até a publicação dessa matéria. Mas informações extra-oficiais dão conta de que a logística para se transportar os equipamentos mastodônticos entre duas cidades tão próximas não justificaria os gastos. Em 2011, a desculpa foi de que a turnê 360°, com seu palco circular, desenhado para um estádio de grande porte, não teria espaço na capital fluminense por conta das obras no Maracanã e no Engenhão para a Copa do Mundo e a Olimpíada. Em 2006, teriam sido os jogos de futebol do Campeonato Carioca os responsáveis por atrapalhar o esquema.
À parte as explicações estruturais, é fato que o Rio não traz boas lembranças a Bono e companhia. Um episódio iniciado em janeiro de 1998 rendeu quase duas décadas de dor de cabeça para o vocalista e o baterista Larry Mullen. Naquele ano, o grupo fez sua primeira viagem ao país com a apresentação da PopMart Tour. A ideia era tocar no Maracanã, mas o velho estádio pré-reforma não conseguia comportar nem mesmo os guindastes para a montagem do palco imenso. A solução foi levar o show para o Autódromo de Jacarepaguá, onde hoje está o Parque Olímpico. O resultado foi um dos maiores engarrafamentos da história do Rio, um espetáculo de desorganização da produção, da prefeitura e de todos os envolvidos. Em uma entrevista ao jornal O Globo, Bono e Mullen ainda disseram que o empresário brasileiro responsável pelo evento, Franco Bruni, havia dado um calote na banda e deixado de pagar metade do cachê de 8 milhões de dólares.
Bruni processou os dois irlandeses na justiça de Santa Catarina, estado onde vive. Em janeiro de 2011 ganhou em primeira instância o direito a uma indenização de 1 milhão de dólares, mas os advogados contratados pela banda no Brasil recorreram. Dois meses depois, quando o grupo chegou em São Paulo para o show da 360°, tanto Bono quanto Mullen passaram pelo vexame de receber um oficial de justiça acompanhado de policiais federais, ainda dentro do avião da turnê, e tiveram de assinar a notificação judicial de condenação no processo. Ao contrário do vocalista, que firmou o nome de batismo Paul Hewson no documento, o baterista rabiscou palavras sem sentido.
Em dezembro de 2016, o processo foi finalmente julgado em segunda instância pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que confirmou a sentença favorável a Bruni e uma indenização de 6 milhões de reais. Cinco meses depois a briga chegou ao fim: os advogados dos irlandeses selaram um acordo com Bruni de valor não divulgado e encerram definitivamente a pendenga judicial. "Hoje meu cliente não quer mais falar nesse assunto, vinte anos de briga o fizeram sofrer demais", diz o advogado Guilherme Luiz Raymundi. A questão agora é se os sorrisos do quarteto à beira da piscina do Fasano significam que as más lembranças de 1998 ficaram definitivamente no passado, assim como a birra com o Rio.

Agência O Globo, 10 de Março de 2018:

Com vendas fracas, Rio vê shows internacionais mudarem de palco ou serem cancelados. Crise, violência e grande número de atrações em pouco tempo têm atrapalhado o mercado.
Um fato sobre o showbusiness carioca: não houve, na última década, um primeiro semestre de ano com tantos shows internacionais de grande e médio porte sendo realizados no Rio quanto 2018. Considerado apenas o intervalo entre fevereiro e maio, Phil Collins, Pretenders, Foo Fighters, Queens Of The Stone Age, Katy Perry, Pearl Jam, Royal Blood, Imagine Dragons, David Byrne, Radiohead, Demi Lovato, Harry Styles e Ozzy Osbourne terão passado pela cidade para se apresentar em espaços com capacidade para, no mínimo, 8 mil pessoas — onze deles em arenas ou estádios que comportam a partir de 15 mil. Isso em meio à intervenção federal na segurança pública e a uma grave crise política e econômica.
E, diferentemente do que as produtoras de eventos previam, tal crise acabou, sim, atingindo a venda de ingressos e impactando o mercado de entretenimento. Recentemente, o noticiário cultural passou a informar com alguma frequência cancelamentos e redimensionamentos de shows. Em dezembro, a banda canadense Arcade Fire precisou trocar a Jeunesse Arena, na Barra, pela Fundição Progresso, que comporta um terço do público esperado para um show da turnê — e a casa da Lapa não atingiu sua capacidade máxima, de cinco mil pessoas. No próximo domingo, a estrela pop Katy Perry subirá ao palco da Apoteose, espaço que pode receber cerca de 30 mil pessoas, mas esta também não era a ideia inicial: o show tinha sido marcado para o Parque Olímpico, que pode comportar até 100 mil pessoas, dependendo da configuração — a capacidade para este evento não havia sido divulgada oficialmente. Marcada para dia 20 de maio, a despedida de Ozzy Osbourne do público carioca, por sua vez, saiu da Apoteose e pulou para a Jeunesse Arena. E, só nesta semana, os shows de Wiz Khalifa, Mac Miller e Jason Derulo na cidade foram cancelados.
— O dólar subiu e não desceu mais. Além disso, as grandes turnês do mundo têm mais demanda do que oferta e, com isso, você começa a pagar cachês muito caros. Isso se reflete, claro, no preço dos ingressos, o que afasta o público em tempos de crise. É difícil uma cidade como o Rio absorver isso. Conteúdos muito caros num espaço curto de tempo são ruins para todo mundo.

O que deu errado: apresentações que mudaram de local, tiveram público minguado ou não aconteceram.

ARCADE
FIRE
FUNDIÇÃO PROGRESSO | DEZEMBRO DE 2017
Marcado incialmente para a Jeunesse Arena, na Barra, com estimativa de público de 15 mil pessoas, o show da banda canadense passou para a Fundição Progresso, que comporta 5 mil pessoas — e não teve ingressos esgotados.

PHIL COLLINS +
THE PRETENDERS
MARACANÃ | FEVEREIRO DE 2018
O cantor britânico fez sua estreia no país como artista solo perto do carnaval, o que, segundo produtores, teria prejudicado o show. De acordo com a produção, o artista levou ao Maracanã 42 mil pessoas — o estádio comporta 66 mil.

FOO FIGHTERS +
QUEENS OF THE STONE AGE
MARACANÃ | FEVEREIRO DE 2018
É o exemplo mais crítico. Em 2015, o Foo Fighters tocou no Maracanã para 45 mil pessoas. Na época, foi acompanhado pelo Kaiser Chiefs, grupo de menor reconhecimento que o Queens of the Stone Age, escolhido para esta turnê. Apesar disso, apenas 30 mil cariocas foram ao novo encontro com Dave Grohl e companhia — menos da metade do estádio.

KATY PERRY
APOTEOSE | MARÇO DE 2018
O próximo grande show internacional no Rio já enfrentou problemas: marcado para o Parque Olímpico (capacidade estimada de 100 mil),
foi transferido para a Apoteose, que comporta 30 mil. Os ingressos seguem à venda.

WIZ KHALIFA,
MAC MILLER E
JASON DERULO
KM DE VANTAGENS HALL | MARÇO DE 2018
Atrações do Lollapalooza, em SP, os rappers Wiz Khalifa e Mac Miller se apresentariam no Rio em 23 de março. O show foi cancelado, e a produtora T4F não divulgou a causa. Já a turnê de Jason Derulo não vai acontecer por “problemas de logística”, alegou a T4F. Marcada para maio, ela passaria por Rio e São Paulo.

OZZY
OSBOURNE
APOTEOSE | MARÇO DE 2018
Ozzy deveria mostrar sua última turnê solo na mesma Apoteose onde se apresentou em 2016 com o Black Sabbath, mas no mês passado foi anunciado que o show seria na Jeunesse Arena, com metade da capacidade (15 mil pessoas)
Mês passado, o Maracanã, que tem capacidade para receber 66 mil pessoas, sediou duas noites de shows badalados num espaço de quatro dias: na quinta-feira (22), Phil Collins e Pretenders tocaram, segundo a produção, para 42 mil pessoas. No domingo, Foo Fighters e Queens of the Stone Age se apresentaram para apenas 30 mil — o grupo de Dave Grohl esteve no mesmo estádio em 2015, quando tocou para 45 mil.

— Talvez tenha sido a proximidade com o carnaval ou uma sequência de shows muito grande. É difícil avaliar o que acontece quando um evento vai abaixo das expectativas — diz Alexandre Faria, que assumiu, em agosto passado, a vice-presidência de aquisição de talentos da Live Nation, responsável pelos shows de Phil Collins e Foo Fighters.

"PRECISA JOGAR XADREZ"

Empresa global, a Live Nation passou a operar por conta própria no país no segundo semestre do ano passado, após anos de parceria com outras produtoras. Desde então, já trouxe para o Brasil nomes como Coldplay, U2, Bruno Mars e John Mayer. E trará, nos próximos meses, os ídolos teen Demi Lovato e Harry Styles (este último é um dos raros casos de show esgotado na cidade). Nos bastidores, comenta-se que a abordagem agressiva com que a empresa atua no mercado, focando na quantidade de eventos e sem muito diálogo com as demais produtoras, tem prejudicado as vendas como um todo. Faria, por sua vez, nega que a Live Nation tenha "chegado com o pé na porta":
— É uma definição agressiva. Nós continuamos fazendo nosso trabalho. A Live Nation tem relação com muitos artistas, é líder em turnês no mundo, então não seria natural se não tivéssemos um nível de atividade alto.
Enquanto o Rio tem resultados derrapantes, São Paulo segue sendo um porto seguro para os eventos de grande e médio portes. Por lá, tanto Phil Collins quanto Foo Fighters emplacaram, cada um, duas datas no Allianz Parque (para 45 mil pessoas por noite), por exemplo. No fim do ano passado, U2 fez quatro shows no Morumbi (60 mil), e Coldplay, dois no Allianz Parque. Nenhum passou pelo Rio.
— São Paulo tem um ingresso médio mais alto, um público mais ávido, prestadores de serviço que cobram preços mais razoáveis e maior quantidade de casas, o que torna o aluguel mais barato. No Rio, tem basicamente três ou quatro espaços de alto nível para shows. Lá, tem 15. O custo fixo é menor, como um todo — enumera Steve Altit, da produtora Top Cat.
Ultimamente, Altit tem garantido bons retornos apostando em nichos específicos, principalmente o adulto contemporâneo, promovendo shows de artistas como Renaissance (que deu sold out nas oito datas no país, no ano passado) e Steve Hackett, ex-guitarrista do Genesis, que passa por quatro capitais brasileiras, começando por Porto Alegre no dia 20:
— Hoje não dá mais para olhar a turnê como um show isolado. Tem que pensar que São Paulo vai bancar o Rio, que Curitiba vai cobrir Porto Alegre... O produtor precisa jogar xadrez.
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