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segunda-feira, 18 de julho de 2011

A verdadeira história do primeiro disco gravado pelo U2 - Lado B

Um relato da testemunha ocular, o homem que o produziu, Chas de Whalley
"Nos encontramos novamente num sábado em agosto de 1979. O U2 tocou de graça debaixo de uma cobertura de aço naquela tarde no Gaiety Green, na época o equivalente, em Dublin, ao Camden Market. Naturalmente o lugar estava entupido de gente e a banda foi chamada de volta para o bis três ou quatro vezes. Então atravessamos a cidade até Windmill Lane, onde tínhamos o estúdio reservado das seis da tarde até à meia-noite.
Nós escolhemos pra gravar as favoritas Out of Control, Stories For Boys e uma música nova, Boy/Girl. Edge, Larry e Adam instalaram seus equipamentos na sala de gravação principal do estúdio, enquanto o engenheiro de som, cujo nome era Bill e tocava jazz no piano em suas horas de folga, colocou um microfone na sala de controle. Isso era pra que o Bono pudesse cantar os vocais que serviriam de guia e que os outros poderiam ouvir nos seus fones de ouvido enquanto tocavam, porém não apareceria nas respectivas trilhas gravadas por cada um deles. Porém, do jeito que o Bono se atirou a cantar esses vocais guia – dando tudo de si, acenando loucamente com os braços, as pernas chutando e pulando, encorajando seus companheiros do outro lado da enorme janela de vidro a arrancarem com tudo e à toda – só você é que não saberia que esses vocais não eram pra valer.
E eles corresponderam, é claro. Porém um tape gravado pode ser algo cruel, uma mídia que não perdoa, e ao tocar o tape novamente, rachaduras começaram a se abrir no som do U2. Adam e Larry não eram assim tão bons em manter o ritmo, e sem o estardalhaço e a fúria de uma apresentação ao vivo onde eles pudessem esconder isso, não dava pra confiar que eles iriam manter o andamento. Stories for Boys e Boy/Girl até que estavam legais. Mas havia – e ainda há – uma longa seção de 24 compassos, a dois terços mais ou menos do início de Out of Control, onde permanece apenas o arranjo de baixo e bateria, e então lentamente tudo se intensifica de novo. Quer seja por nervosismo ou por exaustão, Larry sempre perdia o ritmo nesse ponto, Adam não consegui achar seu caminho de volta, e a coisa toda se desmanchava.
Como essa era, disparada, a melhor música que eles tinham – e precisava soar tão coerente quanto possível – eu fiz com que eles repetissem e repetissem quantas vezes fosse necessário até que eles conseguiram. O pobre do Larry estava quase em lágrimas e, se dá para acreditar no excelente livro de Bill Graham, 'Another Time Another Place', Bono estava a ponto de estourar comigo também, só que ele era muito educado pra isso. Tudo o que eu lembro é dele dizendo incrédulo “Mas o Larry tem aulas com um dos melhores bateristas de Dublin! Como é que ele pode estar fora do compasso?”
Nós mixamos as músicas na noite seguinte, com o Paul me passando baseados que eu aceitei agradecido. Não sei se o plano dele era me ajudar a ter grandes idéias ou me deixar tão alto que ele e o resto da banda poderiam assumir o controle. De qualquer forma, todos concordamos que as músicas tinham que ser tão fortes quanto possível, e acabamos colocando alguns efeitos nas trilhas de guitarra do Edge.
Mas no dia seguinte, sentado no aeroporto, tomando café com o Bono, com o tape original sobre a mesa entre nós, eu sabia que os tais efeitos não acrescentavam nada. E sabia também que eu tinha falhado com eles (isso sem mencionar meu próprio ouvido como produtor) por acabar produzindo nada mais do que demos regulares, certamente não aquilo que faz um grande hit, pelo menos não pelos padrões de Londres.
E provavelmente não pelos padrões de Paul McGuinness também, já que ele conseguiu que as três músicas fossem remixadas por Robbie McGrath, que cuidava do som dos Boontown Rats, e só então a CBS Ireland lançou o single U2 Three, quatro semanas mais tarde. Se isso fez alguma diferença é até questionável, pois o U2 já fazia tanto sucesso em sua terra natal que as primeiras 1.000 cópias se esgotaram em um só dia e o single alcançou a primeira posição na parada irlandesa. Algumas cópias foram importadas pela Rough Trade que distribuiu o single no Reino Unido, e de repente a imprensa britânica especializada em música se interessou.
A essas alturas eu voltei a me animar. Talvez eu tivesse feito alguns demos suspeitos mas o U2 estava longe de ser um grupo qualquer. Agora eu realmente, de verdade, queria contratá-los e convenci Muff, meu chefe, a ir a Irlanda e vê-los com seus próprios olhos. Dessa vez o U2, que estava ficando mais coeso e confiante a cada show, estava tocando no Baggot Inn, o lugar estava arrasando e representantes da EMI e da A&M também estavam entre o público. Mas fomos eu e Muff que levamos Paul e Bono pra tomar vinho depois do show e pra falarmos abertamente de negócios. E eu acho que, se tivesse sido possível, a CBS teria fechado um contrato de exclusividade mundial com o U2 naquela noite.
Acontece que Paul McGuinness, encorajado pelo interesse que ele vinha obtendo de virtualmente cada gravadora em Londres, de repente elevou o tom da conversa ao anunciar que ele queria que a CBS comprasse para o U2 o que a Phonogram tinha comprado para os Boomtown Rats – uma casa nos arredores de Londres para onde a banda pudesse se mudar, e que seria a base de lançamento deles na conquista da parada britânica. Isso significaria um adiantamento em torno de 100 mil libras, e naqueles tempos somente bandas que tinham potencial para o sucesso imediato mereciam esse tipo de grana. O U2 simplesmente ainda não era tão bom assim, e Muff rejeitou a proposta.
Mas ainda não tinha acabado. Ninguém mais aceitou o negócio proposto por Paul. Por isso, o U2 veio a Londres pra tocar numa série de clubes noturnos em dezembro de 1979, e contabilizar em cima de boas matérias sobre eles, publicadas nas revistas Sounds e Record Mirror, e então decidimos tentar mais uma vez gravar algo que impressionasse a cúpula da CBS. Um dia antes de eles pegarem o ferryboat de volta pra casa, os quatro garotos do U2, encharcados pela chuva, apareceram no estúdio da CBS em Whitfield Street pra gravar mais duas faixas.
Dessa vez a banda tinha tudo muito bem ensaiado, e era o Bono que precisava de ajuda. A voz dele estava detonada depois de meia dúzia de shows em quase meia dúzia de dias também, e ele passou o tempo se tratando a base de mel e limão. Eu lembro de ter sugerido alguma sobreposição da sua voz em partes onde ele devia sussurrar a letra tanto quanto cantá-la, numa tentativa de colocar alguma textura extra nos seus vocais frágeis.
Gravamos duas músicas, mas só uma acabou sendo lançada. Era Another Day, uma típica música do U2 sem maiores pretensões, e que acabou sendo o Lado A do próximo single deles. A outra era a canção Pete The Chop, e era de longe a coisa mais pop que eu já tinha ouvido deles, mas eu tinha certeza que iria cair bem entre os executivos da CBS. Imagine então minha decepção quando Bono telefonou um dia antes que eu e o engenheiro de som Walter Samuel mixássemos as faixas pra dizer que a banda havia detestado e queria enterrar a música. Então não fizemos nada com ela, e é por isso que eu não tenho um tape da música e, quando a CBS procurou pelo tape nos seus arquivos alguns anos atrás também não encontrou (mas na verdade essa música apareceu mais tarde como Treasure Whatever Happened To Pete The Chop e foi Lado B do single New Year´s Day).
Tudo o que eu tenho daquela sessão de gravação é uma cópia do single de 7” em sua embalagem, e o pôster que o Paul colocou no pacote, e que apareceu na minha mesa pouco tempo depois que o disco foi lançado em fevereiro de 1980. Por essa época, a CBS London tinha desistido do U2 e o escritório irlandês da gravadora relutava em dar apoio a uma banda que o quartel general da companhia não queria. No verso do pôster há um bilhete rabiscado. Pode-se ler: "as coisas estão tão ruins agora que a CBS Ireland está me cobrando por esses discos então só mandei um pra você. Eles também se recusam a fazer propaganda ou pagar pela embalagem...tudo de bom pra você, Paul e U2."
Eu duvido que o Paul tenha levado sua experiência com a CBS a sério. Mas eu levei. E não demorou muito pra que eu caísse fora de lá, antes que eles me mandassem embora, sem dúvida, mas ainda impressionado negativamente pela falta de habilidade da companhia em reconhecer o talento cru do U2 – quando estava lá bem debaixo do nariz deles."
Maria Teresa M.da Rosa - Achtung Zoo
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