Um relato da testemunha ocular, o homem que o produziu, Chas de Whalley
"Encontrei com Paul McGuinness pela primeira vez em fevereiro de 1979. Ele viajou a Londres para percorrer as gravadoras com uma maleta cheia de cassetes vagabundos. Meu trabalho como caçador de talentos da CBS inglesa era ouvir esses cassetes, emitir um parecer educado sobre eles e então mostrar a porta da rua para o dono. Obviamente não fiz isso tão bem quanto devia, porque um mês ou dois depois ele estava de volta com mais meia dúzia de cassetes, de meia dúzia de artistas diferentes.
Ele então mencionou uma jovem banda de rock que ele estava empresariando que vinha fazendo sucesso na Grafton Street, em Dublin, e que tinha acabado de gravar alguns demos nos estúdios de Eamonn Crackerjack Andrew. Paul me entregou um cassete com os nomes das músicas escritas com esferográfica. A banda costumava se chamar The Hype, ele disse, mas eles haviam mudado o nome para U2. Eu adoraria dizer que sofri uma epifania e fiquei chapado pela força e paixão genuína que saia dos auto-falantes. Mas não posso dizer isso. O U2 soava como mais uma das milhares de aspirantes à banda de new wave, e realmente não me impressionou. Mas ao me mostrar fotos de quatro garotos mirrados com pretensões artísticas, e contar como eles haviam vencido um concurso de talentos patrocinado pela CBS em sua terra natal, Paul McGuinness jogou muito bem. Havia ainda algo sobre uma apresentação na TV. Se metade do que ele disse era verdade, estava claro que esses caras do U2 iriam longe. Então eu disse que conversaria com meu chefe sobre ir a Dublin para ver o U2 tocar assim que fosse possível.
Então foi assim que eu e meu colega Howard Thompson acabamos numa gloriosa e quente tarde de junho em uma agência de publicidade de Dublin, com a cara cheia de champagne, conversando com irlandeses excêntricos da midia local. Paul nos levou direto do aeroporto para a festa.
De repente estávamos no McGonagles, um lugar escuro, mal cheiroso e com uma decoração duvidosa, com um palco apertado e um público significantemente menor do que esperávamos. Isso porque era proibida a entrada de menores de 18 anos, me disse o Paul. Muitos fãs do U2 eram garotos de escola, mas ainda assim seria um bom show. Ele nos prometeu. Eu e Howard estávamos tão chapados e bêbados que isso provavelmente não teria importância.
O U2 finalmente foi para o palco. Eles eram barulhentos e impetuosos, rápidos e frenéticos, inconstantes e esquisitos, de um jeito parecido com os Skids. O público os adorava, se amontoando na frente do palco, e se agitando ferozmente. Mas só uma coisa realmente me chamou a atenção na banda – foi o vocalista, o garoto que o mundo logo conheceria como Bono. Ele deu tudo de si naquele show. Ele ainda não escalava as caixas de som e nem se pendurava nas estruturas do jeito que o faria ser amado pelo público norte-americano alguns anos depois. Mas ele chegou perto disse, correndo, pulando e parando, usando cada polegada do palco e destemidamente atuando como se ele estivesse já num estádio e precisasse impressionar mesmo os fãs das arquibancadas mais distantes.
Mais tarde eu descobri que ele havia tido aulas de teatro, mas e o jeito que ele se movia através de músicas como Out of Control, Shadows and Tall Trees e Twilight? Não era método teatral, era mágico! Eu fiquei completamente chapado. Eu não via uma estrela de tamanha grandeza desde a primeira vez em que Paul Weller e o Jam tocaram em Nashville dois anos antes, quando eu escrevia para a revista Sounds. Eu me inclinei e gritei no ouvido do Howard, “esse cara é incrível. Ele vai ser o próximo David Bowie.” A resposta dele não foi mais do que um grunhido.
De volta a Londres, eu tive uma grande idéia. Normalmente nós dávamos às novas bandas um dia inteiro de graça no menor dos três estúdios da CBS na Whitfield Street a um custo de 100 libras bancado pela área de publicidade. Paul McGuinness me contou que ele podia conseguir dois dias no estúdio mais prestigiado de Dublin, Windmill Lane, pelo mesmo valor. Então eu propus ao meu chefe que eu fosse a Dublin e gravasse demos com o U2, enquanto o pessoal da área de contratos podia negociar um acordo com a banda que nos desse o direito de lançar o demo como single pela CBS Ireland somente, assegurando assim nosso interesse na banda sem, no entanto, nos comprometermos em definitivo com eles.
A segunda vez que eu vi o U2 foi no CommunitUy Centre em Howth, um lugarzinho junto ao mar, próximo a Dublin. O público era formado por 40 ou 50 fãs de rock, muitos tentando desesperadamente ser punks, sendo observados com uma certo divertimento por pequenos grupos de mães e pais e avós que estavam sentados nas mesas na beira do salão.
Eu agora sabia bem mais sobre o U2 e o que eles pretendiam. Com o propósito de conhecer melhor a banda e discutir sobre quais músicas iríamos gravar, eu passei a tarde com eles na casa dos pais do Adam, eu acho. Era um lugar muito legal num subúrbio tranqüilo de Dublin e ficou claro que pelo menos um deles vinha de uma sólida família de classe média. Mas enquanto eles riam e faziam piadas bebendo xícaras e xícaras de chá, Paul Hewson, Dave Evans, Larry Mullen e Adam Clayton provaram que já tinham um senso de propósito bem desenvolvido. Eles sabiam de onde vinham e, até certo ponto, para onde estavam indo.
Eles me contaram como vinham tocando suas próprias músicas quase desde o começo quando, depois de um show desastrado alguém chegou pra eles e disse “vocês formam uma banda legal rapazes, mas vocês estão tocando covers e ninguém quer ouvir covers mal feitas!” Então Bono, que emergia rapidamente como o porta voz do U2 – e grande pensador – disse “nós começamos misturando os instrumentos com cores primárias pra ver o que funcionava e o que não funcionava.”
Eles eram também intensamente idealistas. O punk tinha capturado a imaginação deles, mas não era a retórica revolucionária do Clash ou os sentimentos obscuros dos Stranglers ou dos Banshees que os inspirava. Em vez disso, Bono falava sobre inocência e integridade como sendo parte de uma nova rebelião. Havia algo profundamente espiritual nele mesmo naquela época – mas se você me dissesse que ele se importava tanto com Deus eu teria ficado realmente surpreso.
Foi nesse show em Howth que o Edge finalmente me chamou a atenção. Ele estava tocando a Gibson Explorer que, ele me contou antes, havia comprado em uma loja de penhores quando curtia férias com a família em New York. Ele também me disse que era difícil de mantê-la afinada. Talvez isso tivesse algo a ver com seu estilo de tocar guitarra, que era, no mínimo, incomum. Ele ainda não tinha a sua caixa de eco Memory Man – ela não iria aparecer antes das gravações de 11 O´Clock Tick Tock que o U2 fez com Martin Hannet para o primeiro single deles pela Island, em 1980. Mas enquanto virtualmente todos os guitarristas naquela época estavam febrilmente tirando riffs ou detonando grandes acordes, Edge já experimentava com aquele som que parecia mais um zumbido de cordas abertas com o qual ele mais tarde revolucionou o som do rock.
Tudo que eu me lembro do Adam, do outro lado do palco, era o seu chocante cabelo louro cacheado e um sorriso que mostrava claramente o quão orgulhoso ele estava se si mesmo. E o Larry? Ele estava escondido atrás dos seus pratos. Mas quem iria querer observar o baterista, de qualquer maneira, quando Bono mais uma vez estava a ponto de detonar com tudo lá na frente? Balançando e acenando e gritando e de repente revelando algo que eu não havia ainda me dado conta: de que ele tinha uma voz como a de um anjo, capaz de subir às alturas acima do melhor da banda e arremetendo-se de volta à Terra de novo como um homem em um trapézio voador. Quando voltei aos camarins pra me despedir eu já estava convertido."
Maria Teresa M.da Rosa - Achtung Zoo