"This is a rebel song."
Isto não é o Bono avisando que o U2 tocará 'Sunday Bloody Sunday', a canção de protesto de 1983. É a Irlanda de hoje. O Jeweler (alcunha, porque é filho de judeus) está na guitarra. Depois há um coro de umas 15 pessoas, todas acima dos 50 anos, que o acompanha e domina o Lloyd's, um pub na Amien Street. Estamos no coração de Dublin, bem perto de O'Connell Street, a principal rua da cidade, onde Elizabeth II irá passar ao longo da sua visita de quatro dias à República da Irlanda, a primeira de um monarca inglês em cem anos. A monarca chega ontem ao país, mas foi para um 'Tuesday Sorry Tuesday'?
Os dissidentes do Exército Republicano Irlandês (IRA), opostos a qualquer compromisso com a Inglaterra, fizeram ameaças de bombas. Os peritos do exército irlandês desarmaram um engenho explosivo num carro com destino à Dublin, horas antes da chegada da rainha.
Os comandantes do exército irlandês e a guarda de honra receberam a rainha e o príncipe Filipe de Edimburgo, à chegada a um aeroporto militar nos arredores de Dublin.
"Somos republicanos! Irlandeses! A rainha não vem aqui fazer nada. Vem pedir desculpa? Gostariamos de ouví-la pedir desculpa, mas não vai acontecer."
Ray Farrelly, taxista de 53 anos, acabou de cantar "Sean Song", uma canção em homenagem à Sean South, voluntário do IRA morto em 1957. É ele quem diz: "A rainha dirá uma palavra sobre o extermínio em massa ao longo de décadas no nosso país? Ou falará dos irlandeses que aqui morreram de fome quando dos nossos portos partiam barcos carregados com mantimentos para alimentar os ingleses que combatiam na Índia? Mesmo que o faça, perdoar não é esquecer."
Nem FC Porto X Braga (a final da Liga Européia que acontecerá em Dublin), nem Obama (o presidente dos Estados Unidos também chega ao país na semana que vem): o que está fazendo parar Dublin é a visita de Elizabeth II, um século depois da protagonizada pelo seu avô, o rei Jorge V, em 1911, ainda a soberania era britânica. No seu reinado de 59 anos esteve em 129 países diferentes mas nunca tinha dado um salto ao que está mais próximo. O regresso de um monarca protestante à solo católico está carregado de simbolismo e o protocolo cria suspense. Isabel, por exemplo, irá ao Croke Park, uma espécie de santuário irlandês que tresanda a nacionalismo e a religião. À primeira vista aquilo é apenas um estádio, sede da Gaelic Athletic Association, organização centenária que promove os jogos e a cultura gaélica em toda a Irlanda, mas é muito mais do que isso. Foi ali que em 21 de Novembro de 1920, num domingo, se deu o "Bloody Sunday" original, antes do sucedido em 1972 na Irlanda do Norte. Em plena guerra da independência, as tropas auxiliares do exército britânico surpreenderam um jogo de futebol gaélico e mataram 14 pessoas, incluindo duas crianças e um jogador, numa caça ao homem que correu mal: procuravam operacionais do Exército Republicano Irlandês (o primeiro IRA) responsáveis pelo assassinato de 14 operacionais da secreta britânica, na manhã do mesmo dia, mas alguém disparou o primeiro tiro.
A memória depende da idade. Para os mais novos, a visita da rainha é pouco mais que nada; estão mais preocupados com a crise e o simples fato de terem ou não um emprego. Trevor Poter, 30 anos e há uma década em Dublin, passa ao lado de tudo: "Esta visita é o que quisermos fazer dela. Ontem falava com amigos meus, nascidos aqui, e eram eles que me diziam ter chegado a altura em que é preciso deixar a história de parte." Mas a história é recente, fixa os 'Troubles' (conflito político, étnico e religioso), que mataram mais de 3 mil pessoas desde os anos 60, entre católicos nacionalistas, protestantes unionistas e forças militares e de segurança. Esporadicamente ainda há baixas e é por isso que hoje Dublin está paralisada com fortes medidas de segurança, devido aos receios de atentado.
A visita da rainha custa 20 milhões de euros. "Mas o que é isto? Pagar a estada de uma monarca que devia ser acusada de crimes de guerra?", diz Ray Farrely, o taxista, apoiado por Pat Caffery. "Você não é do M.I.T. pois não? CRIMES DE GUERRA!" Pat, então e os atentados que ainda vão acontecendo do outro lado? "São atos criminosos e condenáveis, motivados pela religião. Eu estou à vontade porque não tenho religião. O que é importante perceber é isto: a Irlanda é uma ilha e isto nunca vai acabar enquanto não for totalmente independente, de sul a norte, e se governar por si própria."
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