BONO: Na mesma semana que o Zooropa foi lançado, um jovem escritor e cineasta americano chamado Bill Carter, veio nos ver no nosso show em Verona na Itália e perguntou se nós daríamos uma entrevista para a Saravejo Television. Porque naquela época que a Europa estava ascendendo como um mercado único, uma moeda unificada e o que todos nós seríamos capazes de fazer com ela se a Europa se unisse, bem no limite europeu, na nação da Bósnia que tinha surgido da Iugoslávia pós-comunista, havia uma cidade como nenhuma outra, um símbolo da tolerância entre cristãos e mulçumanos, onde três grupos étnicos – croatas, sérvios e bósnios – viviam juntos em paz. E essa grande velha cidade de Saravejo, cujas bibliotecas eram grandes tesouros mundiais, estava agora envolvida em um dos conflitos mais rebeldes, onde a grande tolerância que a cidade simbolizava estava agora sendo ameaçada por um pavoroso cerco das forças servias. Não era uma batalha sobre territórios, era uma tentativa deliberada de aumentar a tensão entre as etnias. E foi um tiro turco, mulheres e crianças no caminho pro supermercado sendo baleadas por franco atiradores apenas para causar terror. Sarajevo se tornou uma ferida no corpo da Europa...mas não uma ofensa ao coração da Europa, porque não iam deixar isso entrar. Era apenas as páginas oito ou nove dos jornais. A resposta política era incerta e mentirosa. Os ingleses não concordavam com os franceses sobre o que fazer. A ONU estava lá, mas a sua função era apenas observar. As coisas iam ficando pior e pior e ninguém estava falando sobre isso.
Durante a entrevista com Bill Carter, ele descrevia condições do dia-a-dia. Ele descreveu como em abrigos anti-bombas improvisados, as pessoas escutavam U2, tocavam rock e dançavam com a música em um volume ensurdecedor para abafar o som do bombardeio. Jovens assistiam MTV, viam bandas e apresentadores que se pareciam com eles, e se perguntavam por que ninguém estava discutindo o que estava acontecendo com eles, porque jovens estavam sendo assassinados no caminho pra escola em uma cidade a apenas alguns quilômetros de distância da fronteira dos clubes e casas de shows da Itália e Alemanha.
EDGE: A idéia do Bill era que o U2 fosse à Saravejo e criasse muita publicidade em cima disso e ajudasse a manter a pressão sobre o cerco, porque parecia que a mídia já estava fadigada e as pessoas já estavam ficando cansadas dessa história. Pessoas morriam todos os dias e isso já não era mais notícia.
BONO: Então eu concordei, em um momento bem emocionante, de fazer um show lá. E depois eu concordei com a Saravejo Television, eu tive que explicar para a banda porque que colocar as nossas vidas em risco iria ajudar a população de Saravejo. O Larry se sensibilizou imediatamente: isso parecia um triunfo publicitário. O Adam queria logo conhecer Saravejo. O Edge pensou, ‘O que nós iremos tocar? Nós nem falamos isso pro Paul, porque nós sabemos como seria a reação dele’.
PAUL: Era uma idéia louca deixar tudo para trás e sair correndo pra fazer um show durante o bombardeio. Havia até uma tentativa de se fazer tudo isso sem nem me falar nada. Mas isso teria sido uma grande tolice e perigoso e provavelmente muitas pessoas iriam morrer.
EDGE: Nós olhamos na nossa agenda e tentamos fazer Saravejo caber no cronograma. Nós pensamos em conseguir um avião da ONU. Logisticamente, isso teria sido impossível e quando o Paul descobriu tudo, ele disse que isso além de colocar as nossas vidas em risco, arriscaria também a vida de toda a nossa equipe e dos nossos fãs. Mas nós dissemos, ‘Deve ter alguma coisa que nós possamos fazer para manter a atenção sobre essa situação terrível’.
BONO: Nós decidimos colocar a nossa estação de TV pra funcionar e oferecer à eles um espaço ao vivo com o qual eles poderiam falar com os nossos fãs.
PAUL: O Bill Carter retornou para Saravejo e se comprometeu a conseguir uma pequena unidade de vídeo. A European Broadcast Union tinha um elo via satélite com Saravejo que nós compramos o tempo de uso. E começamos a fazer conexões via satélite ao vivo todas as noites entre os concertos do U2 e Saravejo. A maioria dos shows da Zoo TV tinha um roteiro e era muito ensaiado. As conexões com Saravejo não eram.
EDGE: Isso ficava voando por trás das suas calças. Não havia roteiro, nenhuma pista do que ia acontecer ou quem iria aparecer ou o que eles iriam dizer. Algumas noites eu sentia que isso fazia parte do show, mas em várias outras noites eu achava que era uma interrupção abrupta, que provavelmente não era bem vinda pela maioria das pessoas na platéia. Você era tirado do meio de um show de rock e lhe davam uma forte dose de realidade, e às vezes era um pouco difícil voltar pra uma coisa tão frívola quanto a um show que eles estavam assistindo a cinco ou dez minutos antes da aparição do real sofrimento humano. Mas no momento que parecia que as notícias noturnas iam se tornar parte do divertimento, acontecia justamente o contrário. Essa era uma forma de entretenimento apresentando uma dura notícia real onde não havia nenhum editor envolvido, nenhuma maneira de amenizar a dureza da realidade do que se estava vendo. Nós normalmente não vemos esse tipo de notícia. Nós temos tomadas editadas e higienizadas de tudo que está acontecendo, sejam as atrocidades em Ruanda ou o cerco em Saravejo. Quando você assiste os noticiários na televisão, você está recebendo alguma coisa palatável, enquanto que isso na verdade é extremamente desagradável na maioria das vezes. E por essa razão eu acho que isso afetou muito as pessoas, incluindo a gente.
BONO: Todas as noite, ao vivo via satélite, em um show de rock, você tinha o espetáculo extraordinário da realidade atropelando a arte. E depois a banda tentava recuperar isso.
PAUL: O Larry sempre foi contra isso. Ele achava que nós estávamos explorando a miséria de outras pessoas para o entretenimento de outras. O Bono definitivamente achava que nós estávamos acendendo uma lâmpada em cima de algo muito importante.
LARRY: Nós estávamos planejando um show de rock e isso tudo era muito divertido apesar do ambiente político ser bem pesado, nós fazíamos isso com um sorriso no rosto. Aí de repente, estávamos vendo fragmentos de vídeos de pessoas sendo bombardeadas e uma conexão ao vivo com as pessoas em Sarajevo dizendo, ‘Nós estamos sendo mortos, por favor venham e nos ajudem’. Isso era muito difícil de se ver e escutar, eu estava preocupado de nós sermos acusados de explorar essas pessoas. Eu me lembro de dizer pro Bono, ‘Eu não sei se eu consigo agüentar mais isso, as coisas estão muito difíceis lá’. Ele apenas me puxou de lado e disse, ‘Eu quero fazer isso, e eu vou fazer isso’.
PAUL: A pior noite foi no estádio de Wembley, quando três mulheres aparecem no telão e disseram, ‘Nós não sabemos o que estamos fazendo aqui. Esse cara nos arrastou pra cá. Vocês todos estão se divertindo. O que vocês irão fazer por nós?’ O Bono começou a responder, mas elas simplesmente interromperam. Elas disseram, ‘Nós sabemos que vocês não vão fazer nada por nós. Vocês vão voltar para o show de rock. Vocês vão esquecer até que nós existimos. E que nós todas iremos morrer’. Bem no meio do show em Wembley. E o show nunca se recuperou.
BONO: Isso foi muito triste. Mas no outro dia o Brian Eno tinha decidido que ia se envolver com o projeto War Child e várias coisas boas surgiram daí.