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quarta-feira, 2 de junho de 2010

Roqueiros de peso - Arquivo '50 anos de Bono'

Revista Veja - 28/01/1998: O U2 traz ao Brasil uma traquitana de 2400 toneladas para montar o maior show do planeta

Entre os roqueiros, diz-se que uma boa banda é aquela que tem peso. Nos dias de hoje, essa gíria pode ser tomada em sentido literal e quantificada. O grupo irlandês U2 é considerado o melhor do rock dos dias atuais, ao lado dos veteranos Rolling Stones. Seu peso? Duas mil e quatrocentas toneladas, que equivale à traquitana necessária para colocar de pé o show PopMart, cuja turnê se iniciou em abril do ano passado (1997) e parece destinada a entrar para o livro dos recordes. Parte do equipamento desembarcou no Brasil de navio, empacotada em 69 contêineres. Outra carga, composta de figurinos, instrumentos musicais e adereços de cena, estava prevista para chegar a bordo de dois Jumbo especialmente fretados para sábado, dia 24 de janeiro, junto com os músicos. Enquanto um palco começa a ser montado no Rio de Janeiro, outro, exatamente igual, segue para São Paulo, num comboio que exige 54 carretas. Ao custo de 12 milhões de reais (4 milhões reservados à infra-estrutura, mais 8 para a empresa TNA 'The Next Adventure', que vende os shows do U2 pelo mundo) , o empresário carioca Franco Bruni, um novato na seara dos megashows, arrematou esse pacote mastodôntico. A estréia será terça-feira dia 27, no Autódromo de Jacarepaguá, no Rio. Na sexta e no sábado, os espetáculos serão apresentados no Estádio do Morumbi, em São Paulo.
Hoje, o U2 é um dos pouquíssimos nomes do mundo da música que podem fazer um show com características de megaespetáculo. Os outros são Rolling Stones, Madonna e Michael Jackson, que estiveram no Brasil recentemente. Só faltava o U2, quarteto que estará monopolizando a atenção dos roqueiros do país nesta semana. Em vendagem de discos, o U2 não atravessa a melhor fase de sua carreira. O CD Pop, lançado em março de 1997, chegou à marca de 6 milhões de cópias no mundo. Altíssima para qualquer astro da música, a marca é menos da metade da que conseguiu o próprio U2 no auge da carreira, com The Joshua Tree, álbum de 1987 (15 milhões de discos). Mesmo longe de sua melhor performance mercadológica, esses irlandeses de Dublin que moram lá até hoje continuam a ser um fenômeno na música pop. É a única banda dos anos 80 que consegue sobreviver nos dias atuais, juntando uma nova geração de fãs àqueles de primeira hora. Desde os Beatles e os Rolling Stones, que foram angariando admiradores em várias gerações, não aparecia uma banda com carisma tão duradouro.
Por esse motivo, a turnê PopMart vem obtendo números impressionantes desde que ganhou a estrada. Já foi vista por 3 milhões de pessoas em 76 apresentações por 24 países. Quando a turnê completar um ano, em abril de 1998, terão sido 100 shows. No dia 20 de setembro de 1997 o U2 quebrou um recorde mundial. Foram 150000 espectadores num espetáculo ao ar livre na cidade de Reggio Emilia, na Itália, o maior público em todos os tempos em um show de rock pago, superando a marca anterior, 127000 pessoas, em Praga, na República Checa, durante uma escala da turnê Voodoo Lounge, dos Rolling Stones, em 1995.
Surgido na Irlanda, o grupo U2 é capitaneado pelo vocalista Bono, uma das figuras mais carismáticas e narcisistas do rock'n'roll atual. Pouco antes da estréia, ele declarou que o espetáculo PopMart seria "o show do milênio". Na estréia, em Las Vegas, o que se acabou vendo foi um espetáculo de luzes e pirotecnia, em que a banda acabou ofuscada, tentando levar seu repertório até o final. Com o tempo, Bono e seus companheiros foram aprendendo a equilibrar o duelo com a tecnologia. A batalha é dura. O palco mede 55 metros de frente. Ao contrário de um palco comum, que tem o chamado pano de fundo atrás dos músicos, traz a maior televisão já construída. Não se trata de um telão, e sim de um monitor de TV que mede 16 metros de altura (o equivalente a um edifício de cinco andares) por 52 metros de comprimento, ocupando quase toda a largura do palco. A tela foi desenvolvida especialmente para o show, pesa 30 toneladas e se compõe de centenas de cristais em formato triangular, cada um com cerca de 25 centímetros de altura. Para interligar todos eles, são necessários 35 quilômetros de cabos. "O efeito é hipnotizante", diz César Castanho, responsável pela montagem do palco em São Paulo e que já colocou de pé o show de Madonna no mesmo Morumbi, em 1993. Além de tomadas feitas ao vivo durante o show, a TV exibe imagens animadas, reproduzidas de pinturas assinadas pelos artistas pop Andy Warhol, Roy Lichtenstein e Keith Harring. Ao contrário do que acontece em todo show ao ar livre, desta vez ninguém verá paredes de caixas acústicas dos dois lados do palco. Caixas de som especialmente desenhadas para a turnê ficam alojadas acima do palco, numa semi-esfera cor de laranja que a produção chama de cesta. Dali saem 80% do som. Sob o palco, fora do alcance dos olhos do público, estão embutidos outros alto-falantes. Torres espalhadas por pontos estratégicos da platéia completam o sistema. Se a TV gigante e o som inovador provocam forte impacto no espectador, outros recursos fazem com que as surpresas não fiquem por aí. Há até efeitos de puro ilusionismo. Pouco antes da execução da música Lemon, as luzes se apagam, os músicos desaparecem e, pouco depois, surgem dentro de uma esfera de 12 metros de diâmetro, que imita um limão, só que todo espelhado. "É um equipamento digno de David Copperfield", diz Castanho, referindo-se à parafernália que faz o objeto se abrir, devolvendo os músicos ao palco.
O limão, as projeções de quadros da arte pop na TV, a cesta onde estão as caixas de som e um enorme arco dourado que se eleva do palco não apenas contribuem para tornar o espetáculo monumental. Estão ali para reforçar a intenção das músicas do disco atual. Com a turnê PopMart, nome que pode ser traduzido por "mercado pop", o U2 parece estar querendo dizer que a cultura de massa não é o lixo que se presume. Pode ser uma causa menor, para um grupo que se destacou no início dos anos 80 ao fazer a trilha sonora do conflito entre Irlanda e Inglaterra, chorando seus mortos em canções que se tornaram hinos de uma geração, caso de Sunday Bloody Sunday e Pride (In the Name of Love). Quando o U2 surgiu, o momento era outro, não só na música mas também na política. O movimento punk havia sacudido a Europa, escancarando em letras de protesto o desemprego que crescia entre os jovens da classe operária na Grã-Bretanha. Aquele tempo passou, mas as músicas que consagraram o U2 na época continuam agradando. No show brasileiro, elas irão compor 65% do repertório do espetáculo. Apenas 35% é dedicado aos sucessos do novo disco. Muitos chamam o U2 de oportunista pela facilidade com que muda de causa em função do gosto do público. No final dos anos 80, resolveu que queria fazer sucesso nos Estados Unidos. Incluiu no repertório um gospel (I Still Haven't Found What I'm Looking For, uma espécie de 'Imagine' dos anos 80) e gravou com o guitarrista de blues B.B. King, When Love Comes to Town. Agora, partiu para conquistar a nova geração. O vocalista Bono e o guitarrista The Edge abriram uma discoteca no subsolo de um hotel em Dublin. Perceberam o apelo que a música feita por disc-jóqueis, para animar pistas de dança, tem para os jovens de hoje e compuseram as novas canções nesse estilo. Apesar de o arco dourado que domina a fachada do palco parecer o logotipo de uma conhecidíssima rede mundial de lanchonetes, Craig Evans, da TNA, diz que a idéia de fazer referência ao mundo dos hambúrgueres jamais passou pela cabeça dos desenhistas que criaram o visual do palco. Parece que passou, sim. A referência salienta uma das idéias centrais do U2, que reduz a uma mesma categoria sua própria música, a pintura de Andy Warhol e aquilo tudo que pode encher um carrinho de supermercado.
O U2 chega aqui supervalorizado. O empresário Franco Bruni está gastando mais do que precisaria para trazer os irlandeses. "No início das negociações, o valor girava em torno de 5,9 milhões de dólares. Só que outros empresários, que também queriam trazer o show, foram inflacionando o preço, numa espécie de leilão", afirma Bruni, que acabou sendo forçado a fechar o contrato por 8 milhões com a TNA. Os empresários que entraram no leilão com ele são aqueles que todo mundo conhece Manoel Poladian, Dody Sirena e as irmãs Gardenberg, da Dueto Produções. Bruni garante que só 20% do total será pago por patrocinadores, cabendo aos ingressos (que custam entre 30 e 175 reais) completar a arrecadação. Para sair com algum lucro da empreitada, Bruni terá de esgotar os ingressos. Até agora, já foram vendidos 122.000 em São Paulo e 56.000 no Rio de Janeiro (a capacidade do Autódromo de Jacarepaguá, onde se realizará o show, é de 113000 pessoas).
A princípio, o show se realizaria no Maracanã. Segundo o empresário, o lugar foi mudado porque seus portões são estreitos demais não seria possível passar o equipamento por eles. Correu outra versão segundo a qual a troca se deu por questões financeiras: o empresário não queria adiantar os 400000 reais do aluguel do estádio. No Autódromo de Jacarepaguá, ele pagará uma porcentagem da arrecadação. Para baratear seus já altíssimos custos, Bruni também entrou com um pedido de isenção do ISS junto aos governos municipais, que morderiam 5% da receita. Em São Paulo, seu pedido foi vetado pelo prefeito Celso Pitta. No Rio de Janeiro, ele ainda aguardava o resultado na semana passada. Quem acabará pagando a conta será o público, que terá de comprar o ingresso mais caro dos últimos tempos em shows no Brasil (veja o quadro).
Quem não tiver dinheiro para desembolsar 50 reais por um lugar em pé na pista poderá assistir ao show pela televisão no dia 31, quando a MTV mostrará o maior espetáculo de rock dos dias atuais ao vivo para o Brasil inteiro, exceto São Paulo e Rio de Janeiro. Essas duas capitais só verão os shows se os ingressos estiverem esgotados.
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