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sábado, 21 de novembro de 2009

Matéria do colunista Bono para o 'The New York Times' - Novembro/2009

Link da matéria original: http://www.nytimes.com/2009/11/15/opinion/15bono.html

Tradução da matéria feita por Rachel Cid (Comunidade U2 Brasil).

"Cinco Cenas, Um Tema: Uma Verdadeira, Senão Inverossímel História"

CENA 1

EXT. PORTÃO DE BRANDEMBURGO

BERLIM, NOVEMBRO DE 2009 - NOITE

Os guindastes da câmera sobre a multidão de milhares de pessoas reunidas em Pariser Platz.
Uma banda irlandesa toca sua música "One" na cidade na qual ela foi escrita, há aproximadamente 20 anos. A banda está aqui para uma transmissão da MTV que celebra a queda do muro. Um helicóptero voa como um fantasma sobre a arquitetura da mais moderna das cidades: a Chancelaria vanguardista, a abóbada de vidro no topo de Reichstag, o Portão de Brandemburgo remodelado. Imagens da Berlim oriental e ocidental dançando conforme a música estão projetadas no portão, transformando esse monumento à paz em um muro grafitado da paz...
Nós focamos na banda. Nós podemos sentir que é algo ocasional. Isso é algo novo. Alguém suspeita que O CANTOR se aproxima de uma viagem ao banheiro com o mesmo grau de vangloriedade. (À propósito, ele não está escrevendo nesse instante sobre si mesmo em terceira pessoa? Ele está) No palco, ele está emocionado, como imaginávamos. Nesse caso, é porque a música escrita para ajudar que sua banda se separasse se tornou, de algum jeito, um ode não-sentimentalista à união - nesse momento, uma música agridoce para uma história agridoce.
Abusando demais do artifício de um roteiro, nós cortamos para

CENA 2

INT. UMA ANTIGA MANSÃO, BERLIM ORIENTAL

OUTUBRO DE 1990 - MADRUGADA
Tem o ar de uma casa antes usada como pousada de dignitários da União Soviética (porque realmente é). A câmera filma uma não-tão-instável cama na qual Leonid Brezhnev uma vez dormiu - sonoramente, nós presumimos - quando ele controlava o segundo maior arsenal nuclear do planeta. O botão vermelho ficaria ao lado do cinzeiro neste lugar?
Na cama, não há o corpulento Brezhnev, mas um mais feroz e menos justificável megalomaníaco: uma versão muito mais nova d'O Cantor que nós conhecemos na primeira cena. As armas que ele tem na cabeça são armas de devoção em massa, como uma perfeita música pop. Ele é perigoso, mas apenas para ele mesmo. Aliás, ele está muito cansado depois de uma noite de comemoração pela reunificação da Alemanha com seus companheiros de banda, uma ocasião que cabe ao seu ar de auto-importância e dá a ele a desculpa de abusar de si mesmo "para o bem da história."
Tendo chegado à dividida Berlim no último vôo, ele e seus companheiros de banda saíram para aproveitar a atmosfera carnavalesca de uma cidade experimentando sua nova liberdade. Ao invés disso, eles se juntaram à uma multidão de rostos sombrios, vestidas com sobretudos de funeral cinzas ao som de nenhuma música. "Esse alemães realmente sabem como dar uma festa," alguém da banda disse.
De fato, a banda havia ido ao lado errado de Potsdamer Platz (e da história) e havia se juntado à uma marcha contra a queda do muro. Era como uma piade irlandesa de mau gosto. Os companheiros de banda, com um humor negro, acharam engraçado imaginá-los carregando fotos de lembrança onde eles estão protestando contra a grande escapada da Cortina de Ferro de Mikhail Gorbatchev. A câmera pega detalhes do quarto, o qual o sol de inverno mostra ser uma sinfonia marrom: tapete marrom, mobília marrom, até mesmo, improvávelmente um aparelho de som marrom, pelo qual O Cantor, agora de roupa íntima, passa, para a sala de estar, procurando por um copo d'água. Sua cabeça está como um cigarro aceso que precisa ser apagado.
No hall da sua casa aluga, ele encontra uma família alemã: um SENHOR DE IDADE e sua mulher, além de uma mulher por volta de seus 30 anos e alguns netos. O Cantor esfrega seus olhos vermelhos em descrença. Consciente de seu estado de semi-nudez, ele esconde parte do seu corpo.

BONO (O CANTOR) Er, pois não...?
SENHOR DE IDADE (em um pesado sotaque inglês) Nein. Pois não? Essa é a minha casa!
BONO Desculpe, mas deve haver algum engano. Essa não é a sua casa; é a minha casa.
SENHOR DE IDADE Você trabalha aqui?
BONO (ainda semi-nu) Não, senhor, eu moro aqui.
SENHOR DE IDADE Quem é o proprietário desta casa?
BONO Ninguém - quero dizer, eu estou numa banda. Olhe, digamos que sou eu. Eu sou o proprietário da casa ... e eu preciso que você saia agora.
SENHOR DE IDADE Sair! Você vai sair! Essa é a minha casa e a casa do meu pai! Eu jamais sairei de novo!
BONO (entendendo) Oh. (pausa) Entendo. (pausa) Ok, você pode ter a sua casa de volta, mas você poderia voltar mais tarde? Há uma banda de rock que você não quer acordar e eu me sinto mal.

CENA 3

INT. HANSA STUDIOS - PERTO DO MURO DE BERLIM

UM MÊS DEPOIS
Nós exploramos uma fria catedral de Hansa, um estúdios famoso por David Bowie, Iggy Pop e Nick Cave. Antes, foi um popular salão de baile nazista. Os membros da banda irlandesa fizeram uma sessão de oração antes para exorcizar os demônios (Sério.) Mas eram seus próprios demônios que estavam presentes naquele dia.
Prestes a deixar a casa dos 20 anos, os companheiros de banda estão colidindo entre seus egos adultos. Adultos, eles descobrem, quando se tornam senhores de seus próprios narizes, podem perder parte da elasticidade natural que uma banda requer. Para estes músicos irlandeses, o amor necessário para elevar o ego de alguém para o meta-ego da banda tem sido cada vez mais reservado para a família.
BRIAN ENO, um produtor, está apenas brincando quando diz à banda que "posses são um jeito de transformar dinheiro em problemas." A banda havia experimentado o gosto de sucesso e, ainda pior, o gosto do gosto, veneno para a busca pelo rock 'n' roll.
O ambiente de sonhos no qual as músicas emergem havia sido preenchido por boas casa que necessitam de uma arte não tão boa. Os sonhos de Jean-Michel Baschiat de ADAM CLAYTON; Louis le Brocquy de Bono; o design de mobília de EDGE; LARRY MULLEN não querendo estar em Berlim.
Edge, o Presbítero Zen, não mais um estudo de restrições, está de coração partido, no meio de sua separação, agora vê o mesmo futuro para sua banda. Ele está tentando compôr algo para uma canção chamada "The Fly." Ele consegue escrever duas coisas, mas quando ele e O Cantor as juntam, uma música diferente surge ... e novas palavras e melodia saem da boca d'O Cantor ... o mundo desaba.

BONO (meio que cantando) We're one, but we're not the same ... we get to carry each other ...
LARRY (meigo mas durão, sentado atrás da bateria) Soa sentimental.
BONO Não tem que ser. Eu posso dar aos versos dor suficiente para equilibrar tudo. Não é nenhum grande beijo, é um encolher de ombros de otimismo conformado. Sério, é o pólo oposto à falta de noção hippie que você esperaria de um título como "One."
LARRY Então por que você a chama de "One"? Você acha que isso ajudaria-a a chegar à posição N° 1?
ADAM (uma sobrancelha permanentemente erguida, pensando que eles poderiam continuar com isto como sendo a primeira coisa boa que a banda havia feito no mês inteiro) "One" não é uma música do Bob Marley?
EDGE (sem expressão) Essa é "One Love." Totalmente diferente.
ADAM Eu não ligo - contanto que eu acredite em você quando você a cantar.
DANIEL LANOIS (também um produtor) Eu não me importo, contanto que tenha letra. Do que se trata?
BONO Eu não sei ainda ... Er, ter que viver juntos ao invés de querer isso. Poderia significar muitas coisas para muitas pessoas.
BRIAN ENO Pelo amor de Deus, não a torne uma canção de amor, ou eu irei me obrigar a vomitar.
BONO É uma canção sobre o amor, não uma canção de amor.
CENA 4

EXT. HEILIGENDAMM, ALEMANHA

JUNHO DE 2007 - DIA Uma vista aérea de um grande hotel no Mar Báltico ... e um esquema de segurança cercando o hotel - tanques cutucando arbustos, etc. Os líderes das oito maiores economias mundiais vagam pelo pátio como estudantes em um campus.
A câmera filma George W. Bush, Vladimir Putin, Tony Blair e Nicolas Sarkozy, então entra em uma janela em uma longe escada abaixo. Lá, ANGELA MERKEL, chanceler da Alemanha, se reúne com um pequeno grupo de ativistas para discutir se a Alemanha vai honrar a garantia do G-8, agora com dois anos, a se comprometer com mais fontes para ajudar o um bilhão de pessoas que vivem com menos de um dólar por dia.
A atmosfera é tensa. Os ativistas não estão conseguindo o que querem. Os líderes também não estão conseguindo o que querem, que é ser deixada sozinha pelos ativistas, incluindo o cantor senegalês Youssou N'Dour, Bono e outro roqueiro irlandês grisalho, BOB GELDOLF, e sua política de ONE. A organização tirou seu nome da canção - apesar dos protestos do autor, que achou que se a história eventualmente se repetisse como farsa, então a ironia, da próxima vez, soa irritantemente séria.
BOB (cujo humor e intelecto mais do que perdoam os palavrões que apimentam até mesmo as mais formais reuniões) Chanceler, o que a Alemanha tem feito é inspirador. Vocês têm passado a maior parte dos últimos 20 anos gastando algo como 4% do seu P.I.B. na reunificação ... e ainda assim, vocês ainda estão dispostos a comprometer 0,7% do seu P.I.B. para o desenvolvimento econômico global. As vidas de pessoas que você nunca vai conhecer dependerão desta decisão. O orçamento de 2008 retrará isso, mas o resto do mundo precisará ver 2009 para saber que você está falando sério.

BONO (interrompendo) Trajetória é tudo. Se 2009 for como 2008, a Alemanha mostrará ao resto do G-8 que eles precisarão colocar dinheiro no jogo assim como pôem palavras.
MERKEL (que já havia conhecido estes homens antes e pareceu ter apreciado o encontro, mas hoje está sem paciência com qualquer um que ameace estragar sua festa no G-8) Eu não estou preparada para me comprometer além de 2008. Mas nós faremos o nosso melhor, é claro.
BONO (apelando) Deixe-me apenas dizer, madame Chanceler, que, como o Bob, eu estou entorpecido pela nova Alemanha. Cinquenta mil apareceram hoje para se soliedarizar com a pobreza no mundo. A senhora mesmo é tão comprometida com isso... o governo... a aliança. E nós absolutamente cremos nas suas palavras, mas se elas não se tornarem realidade... bem, você sabe que nada cria o cinismo mais rápido do que quando os líderes aplaudem compromissos que eles falham em executar. Uma coisa é quebrar uma promessa consigo mesmo ou com o seu próprio eleitorado, mas quebrar uma promessa com as pessoas mais vulneráveis do planeta é profano.
MERKEL (em uma calma e quieta voz) Meu pai me ensinou uma lição muito importante quando eu era uma garota que crescia na Alemanha Oriental. Ele disse, "Sempre seja mais do que você aparenta e nunca aparente ser mais do que você é."
A câmera foca nos olhos d'O Cantor. O preto havia devorado o azul. Ele é um peso-pena em um ringue contra Muhammad Ali. Ele nem mesmo viu essa vindo. Ela acabara de resumir sua vida inteira com aquele provérbio.
Misericordiamente, nós cortamos para

CENA 5

INT. UM RESTAURANTE DE BERLIM

NOVEMBRO DE 2009 - NOITE
Vinte anos após ter entrado na festa errada (e não pela última vez), O Cantor está de volta a Belrlim para o show no Portão de Branderburgo. Após o show, ela vai a um jantar com WIM WENDERS, o diretor de filmes alemão, e sua mulher, DONATA WENDERS, uma fotógrafa. Eles trocam impressões de uma Alemanha que está sem seu muro, mas ainda está dividida economicamente e ideologicamente assim como o papel que ela deveria interpretar no mundo. A unificação não trouxe a união.
Bono está entusiasmado que Merkel, tendo desprometido, agora está ajudando demais em seu compromisso de assistência, e falou veementemente sobre como a recessão global não deveria servir como desculpa para o fracasso do Ocidente em oferecer ajuda humanitária e investimentos, que podem ajudar tantas vidas a deixarem a pobreza extrema.
BONO Pode ser que ela acabe sendo alguém que sabe mudar o jogo... Talvez seja seu lado que cresceu na Alemanha Oriental... ela é uma combinação tão incomum de ciência e moralidade antiquada. Eu acho que seu pai era um pastor. Ela usa essa linguagem precisa e sem emoção, mas então um sentimento profundo de justiça e creio eu, empatia, aparecem. Eu fui tão idiota...
WIM Esse é o seu trabalho. Ela sabia disso e também sabia que quanto mais perto a Alemanha está da Europa e do resto do mundo, menos nossas diferenças internos importarão... Enfim, antes do muro cair e muito antes da Internet se tornar onipresente, foram os filmes e a música, e foi a geração MTV que ignorou isso. Política nunca pode ser separada da cultura. Uma grande parte das músicas, filmes, poemas ou livros estão criando uma memória e preservando-a - o que foi, e o que pode ser se formos honestos com nós mesmos.

BONO (bebendo) Acho que a honestidade é a coisa mais difícil para um artista.
WIM E para um político.
DONATA (cansada, mas esperançosa) Para todos nós. Mas, sabe, o quer que esteja nos dividindo ainda está aqui, pelo menos agora nós podemos ver o que há além do muro, e atrás da cortina.

Bono, o vocalista da banda U2 e co-fundador do grupo ONE e (Product)RED é um colunista contribuinte para o The New York Times.

Publicado em 14/11/2009.
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