El País - Espanha
Procurando por alguém que gostou do último álbum do U2. As críticas negativas têm sido tão difundidas que The Edge e Bono arregaçaram as mangas para dar entrevistas e tentar diminuir o impacto. "Estamos trabalhando em um disco barulhento de guitarra. Acreditamos que um momento de ressurgimento da guitarra está chegando e queremos estar lá". E eles se apressam: "Vai ser muito difícil para o U2 se separar". Separação?
Todo esse barulho vem devido à 'Songs Of Surrender', um trabalho onde eles regravam 40 de suas canções antigas (duas horas e 46 minutos de música). O New York Times diz num artigo intitulado "U2 revisita o seu passado, em nome do que exatamente" que "em 'Songs Of Surrender' o menos é simplesmente menos" e que o que estas canções transmitem "não é intimidade, mas distância".
O The Guardian observa que os "tratamentos acústicos são apagados", e o Pitchfork entoa que é "uma frustrante oportunidade perdida" e o sempre entusiasmado NME anunciam: "Não é o desastre que ameaçava ser".
Aparece um que gostou: "U2 revisita o cancioneiro e se redescobre", destaca a Uncut. Na Espanha, eles foram ainda mais duros. "Uma jogada dolorosamente pretensiosa para uma banda que está há muito tempo à deriva", aponta o Mondosonoro, enquanto o Rockdelux afirma: "Tem que ser um fã fanático, ferrenho a ponto de ser irracional, incondicional a ponto de digerir isso, ouvir de uma só vez sem esboçar um enorme bocejo".
Já que os fãs foram citados, é conveniente ir até eles. Xavier Balart de Barcelona, autor do livro documental U2 En España. "O maior problema do novo disco é que as versões originais eram excelentes, e todos tendemos a comparar. Se você foge dessa comparação, talvez alguma música lhe pareça interessante. Mas sim, são poucas. Acho que foi um álbum desnecessário e não empolga. É claro que o grupo está passando por uma fase de falta de criatividade", aponta. Mikel Aranguren de Bilbao, lançou a página em espanhol mais informativa sobre a banda, East Link, em 1996: "Não tem como. Estou convencido de que lançar este álbum não foi algo prazeroso para eles. Eles promovem porque são suas músicas e não vão falar mal delas. Mas não acho que é o que eles desejaram, honestamente".
No centro das críticas está a falta de alma das versões e o fato de terem reescrito algumas letras, temas sagrados para fãs, como "Sunday Bloody Sunday". "Não tem sentido. Se você tiver que contar algo novo, escreva uma nova música. Bono diz que o tema deve ser adaptado aos tempos atuais. Mas por que? "New Year's Day" foi escrita quando foi escrita, "Sunday Bloody Sunday" a mesma coisa, e elas estão bem lá, com esse contexto e com essa letra. A música não fala de agora, fala de antes", diz Aranguren.
Há quem compare os dias atuais do U2 com o Depeche Mode, quase parceiros de geração: o U2 fez sua estreia com um álbum em 1980 com 'Boy' e o Depeche Mode em 1981 com 'Speak & Spell'. E a banda liderada por Dave Gahan e Martin Gore venceu agora, acumulando elogios graças ao seu novo trabalho, 'Memento Mori'.
'Songs Of Surrender' está conectado ao livro que Bono publicou em novembro de 2022, 'Surrender', um texto de 700 páginas onde conta a sua vida e fez apresentações por teatros (na Espanha apresentou-se no Coliseu de Madrid para 1.300 pessoas). Todos os consultados gostaram daquele show e de fato acreditam que é uma das poucas coisas positivas hoje.
Para a gravação do álbum, Bono e The Edge trabalharam juntos, e as contribuições de Adam Clayton e Larry Mullen foram mínimas. No documentário para divulgar o álbum, 'Bono & The Edge: A Sort of Homecoming with Dave Letterman', o baterista e o baixista nem aparecem.
As más decisões não param por aí. Há a coisa de Las Vegas. O grupo anunciou uma residência, um movimento considerado na indústria da música como um sinal de que a carreira não está indo bem. Ou que estão em seu fim. Balart não concorda: "Não se engane. Eles vão fazer 12 ou 14 shows e acabou. Não é como uma residência tipo Céline Dion, que fica três anos em Las Vegas. O U2 quer inaugurar um local que se anuncia espetacular. Se em vez de Las Vegas fosse feito em Londres, as pessoas não diriam que estariam se aposentando". De fato, o Sphere é uma construção vanguardista em forma de esfera que promete extravagância para os olhos e ouvidos do espectador. Aquilo que agora se chama "viver a experiência". E o U2 quer ser marcado na história ao inaugurá-lo. Mas mais uma vez surgem dificuldades. Os shows, onde tocarão o seu incontestável álbum de 1991, 'Achtung Baby', foram anunciados com grande alarde em fevereiro, no Super Bowl, para acontecerem em setembro, mas as datas ainda não foram definidas, os ingressos não foram vendidos ainda. O problema? O local ainda está em construção e pode não ser concluído até setembro.
Mesmo sendo um pouco desconcertante, este episódio não é dos mais graves. O que realmente surpreende e chateia os fãs é que Larry Mullen Jr. não estará presente. O baterista sofre com algumas lesões, e tudo é envolvido em mistério. É tão grave para precisar de quase um ano de recuperação? Talvez seja preciso lembrar que uma das peculiaridades do U2 é comemorar 45 anos de carreira com a mesma formação, um núcleo compacto que parecia inquebrável. Oficialmente, Larry Mullen não aguenta fazer um show porque está se recuperando de lesões que exigiram cirurgia. O baterista é o menos falante do quarteto e quase sempre consegue evitar encontros com jornalistas. Em uma entrevista recente à Rolling Stone, perguntaram a The Edge: "Você tem esperança de que Larry volte aos palcos no próximo ano?" A resposta semeou ainda mais o campo de dúvidas: "Assim que ele estiver pronto para estar conosco, adoraríamos vê-lo na bateria. Só sabemos o que ele quer nos transmitir. Estamos aguardando ansiosamente para ouvir notícias de seu progresso".
Para os shows em Las Vegas eles já têm um substituto, Bram van den Berg, um baterista holandês de 40 anos sem nenhuma experiência em uma grande banda. Outro fato sobre o assunto: Larry Mullen foi visto recentemente em fotos postadas nas redes sociais com boa aparência, se divertindo com amigos.
O jornalista inglês Neil McCormick, o mais bem informado sobre o U2 desde que os conheceu na adolescência e mantém um contato direto, ofereceu informações valiosas em um bate-papo com os seguidores: "Eu sei que Bono e The Edge estão ansiosos para gravar novas músicas. Eles estão esperando (realmente) que seu baterista volte ao seu posto. Meu palpite? 2025".
Sobre os atuais trabalhos da banda, ele observou: "O U2 ainda tem voto democrático em todas as decisões importantes, o que significa que Larry concordou com o último álbum e com as datas de Las Vegas. Mas Bono e The Edge sempre foram os líderes criativos do U2, levando a agenda adiante. Como eles não vivem mais no mesmo país e não interagem diariamente, isso pode significar que as coisas progridem sem que certos membros estejam intimamente envolvidos em todas as etapas intermediárias. Mas eu perguntei ao The Edge sobre isso e ele disse: 'Se o U2 é uma ditadura, existem quatro ditadores'."
"Claro que me incomoda que Larry não esteja presente, mas eles não podem fazer nada. Os shows de Las Vegas estão assinados desde antes dele ter a lesão, então é um compromisso que eles têm que cumprir", explica Óscar Puchades, um dos gerentes da Vertigo Radio, programa de rádio dedicado exclusivamente ao U2 que tem sido transmitido por 18 anos. "Eu não acho que eles irão se separar. Grandes bandas têm um pico de excelência que o U2 já passou, mas estou esperançoso sobre o que eles farão depois de Las Vegas".
O que os fãs se apegam é o álbum de rock divulgado para 2024 e uma presumível turnê por grandes locais em 2025.
Críticas ao U2 e mais especificamente à Bono chovem, transbordam. Ele é certamente a estrela pop mais odiada (em disputa acirrada com Chris Martin do Coldplay). Por sua ânsia de liderança, sua presença em assuntos políticos (às vezes com líderes como o ultraconservador republicano Jesse Helms), pela sua bombástica retórica... E pelo seu sucesso, que alguns não digerem bem. Ele próprio está ciente dessa animosidade e no documentário da Disney+ ele admite: "Meu ativismo, do ponto de vista do grupo, é um trabalho bastante impopular. Se você está em uma banda de rock, não é conveniente para você tirar uma foto com certas pessoas que podem ser o oposto dos valores que você preza. E eu fiz isso com eles. Sei que testo a paciência do grupo". Aranguren brinca: "É um grupo com muitos haters, muito hostis. É também porque eles se colocam lá para serem atingidos. Deve ser algo relacionado à culpa cristã. Eles parecem gostar: sadomasoquismo irlandês. Mas, brincadeira à parte, acho que eles também riem disso".
Bono recorreu a esse mesmo sentimento de clemência religiosa em uma de suas últimas entrevistas (na Apple Music) em uma declaração que resume o universo do U2: "Peço desculpas por ter a irracionalidade da juventude quando entramos nos 60 anos de idade. Peço desculpas por ser um cantor impetuoso. Peço desculpas por não ser tímido ou retraído e por agradecer em voz alta por onde vou trabalhar. Peço desculpas por levar nossa banda ao limite. Peço desculpas por repetir repetidamente que o rock and roll não está morto, é apenas mais velho e rabugento, e de vez em quando dispara fogos de artifício com suas mudanças de humor. Mas, acima de tudo, peço desculpas por pedir perdão".