René Castro contou em 2006 que o U2 o convidou por e-mail para a primeira fila do show do dia 20 de fevereiro em São Paulo, com ingressos e hotel incluídos, antes dos shows no Chile.
Castro trabalhou como cenógrafo e designer de pôsteres para a banda entre 1986 e meados da década de 1990.
Seu papel não se limitou apenas a pinturas promocionais. Castro contou para a banda histórias de perseguidos e exilados pelas ditaduras latino-americanas. Ele também apresentou Bono para a música de Víctor Jara e foi um companheiro de viagem sempre pronto para brindar com uísque irlandês ou jogar sinuca na Califórnia.
"Mas o Bono é muito ruim no bilhar", disse Castro. "Nós nos viciamos na questão dos direitos humanos. Fui a primeira vítima do processo chileno que ele conheceu".
O pintor e artista visual documentou sua história com fotos e revistas que guarda no porão de sua casa. Lá ele mostra fotos com um Bono de vinte e poucos anos, cabelos caindo dos ombros, chapéu e cara de embriagado.
Castro estudava arte e foi fundador do Movimiento de Izquierda Revolucionario (MIR), assumindo a liderança estudantil. Após o golpe militar, foi torturado no regimento de Tacna e no Estádio Nacional, e viveu exilado nos Estados Unidos.
Lá ele criou um grupo que em 1985 montou uma exposição sobre o exílio no Mission Cultural Center em São Francisco que deixou Bono maravilhado. O cantor foi dias depois visitar Castro em sua oficina. "Ele veio com todo o U2, mas eu não os conhecia. Eu disse a eles que não poderia ir. Bono gostou de uma gravura de Martin Luther King e eu dei a ele. Seu agente me deu duas credenciais de backstage para um show em São Francisco. Minha filha Claudia ficou muito feliz", lembra ele.
Castro assinou um contrato para ser o responsável pela cenografia junto com Willie Williams. Seu teste de fogo foi a turnê que promoveu o álbum e documentário 'Rattle And Hum', com shows na Europa, Austrália e Nova Zelândia. A turnê foi chamada de Lovetown e teve BB King como banda de abertura.
Ocorreu a Castro que os holofotes projetariam símbolos como uma cobra, uma cruz e o cifrão. Para os cartazes, ele desenhou uma lua atravessada por um violão, em uma homenagem dissimulada à foice e martelo comunista. Na verdade, em vários sites, eles o apontam como um dos impulsionadores do simbolismo social no gráfico do U2. Ele foi ajudado pelos filhos do chanceler chileno assassinado Orlando Letelier, que morava nos Estados Unidos. Como prêmio, Castro aparece nos créditos daquele documentário e Bono dedicou a ele a música "Out Of Control" durante vários shows. Um mérito coroado com seu papel na turnê ZOOTV, onde fez as luzes saírem de carros velhos recuperados da Alemanha Oriental. Uma grande marca dessa turnê.
Mas sua maior viagem com Bono não precisava de luzes. Em 1986, Castro formou um grupo de ajuda às vítimas da guerra civil de El Salvador. Ele foi com Bono para ajudar hospitais e escolas. Foi uma viagem anônima, onde ninguém ficou sabendo da chegada do vocalista. Anos depois, alguns jornais salvadorenhos descobriram a história e destacaram que "seu amigo íntimo chileno" estava com o músico. "Foi muito produtivo, porque o Bono escreveu "Mothers Of The Disappeared" e "One Tree Hill", de 'The Joshua Tree'. Nessa última música ele fala do Víctor Jara e ele fez isso porque na viagem nós ouvimos bastante. Também para Inti -Illimani".
A música dedicada às mães de desaparecidos é outra ponte entre Castro e Bono: em vários shows o vocalista fechou a música com a frase em espanhol "el pueblo vencerá". Para evitar memorizar isso, Bono pediu ao chileno que o ditasse por meio do fone de ouvido.
Um sinal de confiança que se desgastou com o tempo, mas que se manteve com e-mails e ligações. "Ele é um cara muito caloroso. Mas parei de trabalhar com eles porque era cansativo, me absorvia. Hoje está tudo bem, embora tenha ficado decepcionado por ele ter se encontrado com Bush. Não foi necessário. Acho que nada se conseguiu aí. Acho que Bush é um sátrapa da história e está envolvido em uma guerra injusta e, além disso, uma guerra em que mentiu para poder entrar nessa guerra. E o fato de Bono ir se encontrar e almoçar com ele não fala bem do líder político que é Bono".
René Castro afirmou que só se encontraria com Bono no Chile se fosse convocado, já que, por sua vez, não havia interesse em fazer uma reunião.
"Se Bono me pedir para me encontrar, irei, mas não irei pedir", disse Castro.
"Ele é um homem extremamente inteligente. Ele se posicionou em uma posição privilegiada no contexto dos direitos humanos e especialmente com a questão da fome e da AIDS na África. Ele tem feito inúmeros esforços para resolver o problema dos direitos humanos, dívida externa de Países do Terceiro Mundo e até certo ponto tem conseguido".