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domingo, 9 de outubro de 2016
U2: escrevendo o futuro da música com o lançamento de 'Songs Of Innocence' - Parte 02
Com 'Songs Of Innocence', o U2 escreveu um dos episódios mais quentes da indústria discográfica em 2014, levantando reflexões sobre novos caminhos para a distribuição e o debate sobre a necessidade de pagar a música que se faz e consome. O jornalista Nuno Galopim da Blitz de Portugal, reconstitui e analisa o significado daquela que poderá ser a mais arrojada investida de sempre de Bono e companhia.
Este novo trabalho em colaboração com a Apple foi pensado por Bono com o novo manager Guy Oseary, um velho parceiro empresarial de Madonna que tomou os destinos do U2 nas mãos após a retirada de cena em 2013 de Paul McGuinness (que os acompanhara desde o início).
A relação do U2 com a Apple havia sido interrompida quando a Blackberry entrou em cena para patrocinar a turnê 360. Houve mesmo discussões com Steve Jobs e uma reconciliação mais tarde. A relação com a Product Red não fora, contudo, afetada e, ao todo, a Apple tinha recolhido 76 milhões de dólares para essa operação criada por Bono que recolhe fundos para a luta contra a AIDS.
A desmaterialização da música não foi uma dor de cabeça para o U2. E o grupo foi mesmo um dos primeiros a aderir a novas modalidades de venda digital, nomeadamente através do iTunes. Como Bono admitiu ao New York Times, o formato físico não é algo necessário para validar hoje o trabalho de um artista. O velho modelo, para ele, está "avariado". O músico aponta que "as pessoas na música reclamam contra o Spotify mas o streaming está aqui para ficar, o público quer que assim seja e temos de encontrar uma forma de funcionar para todos", acrescentou ao mesmo jornal depois do painel em que participou no Web Summit.
Entretanto, ao Guardian, Bono explicou que a internet é, no presente, algo que se pode comparar ao momento em que a humanidade descobriu o fogo. E levanta a grande questão: "o que vamos fazer?". É, como acrescenta na entrevista, tudo "muito excitante, muito assustador".
Mas mesmo "assustador", este é um mundo que os atrai. E Bono revelou à Time que a banda está desenvolvendo juntamente com a Apple um novo "formato musical interativo que não pode ser pirateado e que devolverá a noção de artwork [a arte gráfica das capas] de uma forma poderosa, e no qual se poderá ter acesso as letras e ir para os bastidores das canções quando se anda de metro com um iPad, vendo tudo nas suas grandes telas". Ainda à Time, Bono acrescentou que nesse novo formato as pessoas "verão fotografia como nunca antes viram". Fala em concreto do novo álbum 'Songs Of Experience', cujo lançamento tinha sido prometido para 18 meses depois de 'Songs Of Innocence'. Sobre o novo disco, revela que será lançado já num novo formato, comentando de forma categórica e confiante: "acho que será excitante para todo o negócio da música". Mais reservada, a Apple não disse nada, senão que declinava "comentar planos de futuros produtos". A companhia é prudente. E basta recordar a história de alguns formatos desaparecidos prematuramente e podemos procurá-los na era digital, como o DAT ao MiniDisc, para reconhecer que nem sempre revolução anunciada é conquista concretizada.
O valor pago pela Apple ao U2 por 'Songs Of Innocence' não foi oficialmente confirmado, mas, segundo a Time, uma fonte teria revelado um orçamento de marketing na ordem dos 100 milhões de dólares (aproximadamente 80,3 milhões de euros). Em Cupertino, logo após o lançamento do álbum, Bono deixou claro que não acredita na música gratuita. "A música é um sacramento", comentou. E ao Guardian lembrou que, pelo trabalho em 'Songs Of Innocence', o U2 foi pago por uma companhia "que está lutando para que os músicos sejam pagos".
Numa das suas primeiras negociações com a gravadora, com a qual acabaram por permanecer ligados a Island Records, o U2 aceitou uma redução dos royalties em favor da posse das gravações. Uma decisão que valeu a confissão recente de Bono (via Time) de ter passado uns "anos assustadores" perante o cenário de quebra progressiva de venda de discos.
No livro U2 BY U2, onde a história do grupo se conta em declarações dos quatro músicos e de Paul McGuinness que era o empresário naquela altura da sua edição, Bono falou da relação, que diz ser antiga e natural, entre a música e o comércio: "sempre existiu uma relação entre a arte e o comércio e nunca achei que fôssemos artistas sagrados, ou que as pessoas que vendiam a nossa música tivessem as mãos sujas pelo lucro imundo. Os artistas são tão gananciosos e altruístas como qualquer outra pessoa. Temos um negócio, somos mercadores que, na Idade Média, teriam ido de cidade em cidade vendendo a sua mercadoria. Já saímos dessa. Tentamos obter os melhores contratos possíveis pelas canções. Tentemos protegê-las não permitindo que roubem elas de nós. Tentamos fazê-las tocar no rádio de modo que as pessoas possam ouvi-las. Tentamos fazê-las passar na televisão para que as pessoas possam ouvi-las e ver os vídeos que temos feito".
Em U2 BY U2, Bono descreve Steve Jobs, cofundador e antigo presidente da Apple, como alguém que "resolveu o problema da indústria musical com a pirataria". Ele mesmo explica a sua tese: "o roubo da música é um problema real. Nós criamos canções enquanto os outros criam objetos e é um negócio que gera despesas. E, não obstante o que alguns enfants terribles andavam a dizer às pessoas, a pirataria musical estava, de fato, modificando a vida dos músicos. Depois surgiu este tecnólogo que acreditava que, se fosse feita de forma fácil, divertida e razoavelmente rentável, as pessoas comprariam canções em vez de as roubar. As pessoas podem tirar água da torneira, mas compram-na engarrafada porque acreditam ser de melhor qualidade e porque gostam da garrafa. É o mesmo com a música", como se lê no livro.
O álbum que gerou tamanhas discussões é o sucessor direto daquele que foi (com exceção dos dois primeiros, Boy e October, de 1980 e 81) o episódio comercialmente menos bem-sucedido da discografia do grupo. The Edge explicou ao Guardian que 'No Line On The Horizon', gravado parcialmente em Marrocos e lançado em 2009, fora inicialmente concebido como algo diferente e fora do trilho habitual. Mas que, para o final, tomou a consciência de que, para o U2, "não há álbuns simples".
Adam Clayton confessou à revista Q que o single "Get On Your Boots", usado como aperitivo antes do lançamento desse álbum de 2009, "não tinha incendiado a imaginação das pessoas". E, mesmo tendo Bono depois observado que o álbum "vendera muito bem", foram precisos oito meses para o disco chegar ao estatuto de platina nos EUA, um ritmo e um patamar abaixo do que conhecera o anterior 'How to Dismantle An Atomic Bomb' (de 2004), que alcançara ali a tripla platina em apenas três semanas.
Larry Mullen observou, como recorda o livro 'The Greatest Albums You'll Never Hear', que as canções ali eram "boas" mas estavam "inacabadas", no que o autor, Bruno MacDonald, traduz como ecos do que fora o veredito da banda sobre 'POP', o seu álbum de 1997. Uma outra comparação com os tempos de Pop leva-nos ao setlists das turnês que se seguiram tanto a esse disco como a 'No Line On The Horizon'. A PopMart Tour abriu com dez canções do então novo álbum nos sets dos concertos, terminando a sua vida na estrada com sete canções do mesmo disco entre as que tocavam cada noite. A 360°, que por sua vez dera os primeiros passos com sete canções do disco de 2009 no setlist, chegaria ao fim com apenas três canções de 'No Line On The Horizon', entre elas o single "Get On Your Boots". Feitas as contas, ao fim do seu tempo de vida nas prateleiras das lojas, o álbum 'No Line On The Horizon' atingiu vendas globais na ordem dos cinco milhões de exemplares. Não são números ruins, comparados com os que tantos outros discos, até mesmo em comparação ao que discos de sucesso conseguem atingir. Mas, como observa o livro de Bruno McDonald, nenhuma das músicas do disco tinham acabado se transformando numa peça obrigatória para a vida no palco do U2. Em U2 BY U2, Paul McGuinness já descrevera 'Rattle And Hum', de 1988, como um disco que "é considerado como um dos insucessos do U2", atualmente com uma soma de 15 milhões de cópias vendidas. 'All That You Can't Leave Behind' (2000) vendeu 12 milhões e 'How to Dismantle An Atomic Bomb' (2004) tinha chegado aos 9 milhões. Os números aqui não deixam dúvidas. O álbum de 2009 ficou aquém do habitual.
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