Em 1980, o fotógrafo Hiroshi Sugimoto começou a trabalhar em uma série de fotos do mar e do horizonte que mais tarde seria intitulada Seascapes.
Uma dessas fotografias, 'Boden Sea', ilustrou a capa de três álbuns musicais: 'Claro' (2001), do grupo finlandês Brothomstates, 'Specification Fifteen' (2006), dos americanos Richard Chartier e Taylor Dupree, e 'No Line On The Horizon' (2009), do U2.
Claro, com o U2 a coisa tomou proporções gigantescas, e aos 61 anos de idade, naquele ano de 2009, Hiroshi Sugimoto concordou em falar sobre seu trabalho sendo utilizado pela banda.
"A primeira coisa que quero que as pessoas saibam", disse ele, sentado em um escritório na Gallery Koyanagi, "é que não há nenhum aspecto comercial na minha relação com o U2. Nenhum dinheiro está envolvido".
A imagem do Mar Boden, Uttwil, 1993, adornou não só a capa do álbum que foi lançado como número 1 em quase 30 países, mas também foi vista em ônibus, táxis e anúncios de TV em todo o mundo como parte de uma blitz de publicidade multimilionária . A conexão comercial parecia óbvia, e muitos supunham que Sugimoto havia se vendido.
"As pessoas achavam que eu estava com algum tipo de problema financeiro", riu Sugimoto, que sempre teve a reputação de se recusar a usar seu trabalho em merchandising ou publicidade.
Outros sugeriram que ele havia sido corrompido pelo U2. Segundo o site The Guardian, o artista de música eletrônica Taylor Deupree, que criou um CD com Richard Chartier para uma retrospectiva de Sugimoto no Hirshhorn Museum em Washington, D.C. em 2006, disse que com o U2 "era apenas um telefonema e um cheque".
Deupree acusou a banda de copiar o design do seu álbum 'Specification Fifteen'. Ambas as capas usam a mesma imagem 'Boden Sea' (que foi tirada no Lago Constance, na Suíça, e é apenas uma das mais de 200 fotografias que compõem a série Seascapes do artista).
Deupree afirmou que o U2 "roubou" a ideia, ou deveria "ter feito alguma pesquisa" antes de divulgar a capa. O músico informou ainda que a capa de seu disco, lançado em 2006, foi escolhida "diretamente em associação" com a retrospectiva de Sugimoto realizada no Hirshhorn Museum.
Deupree se equivocou em ambos os casos. Observando que a escolha da mesma fotografia foi apenas uma "coincidência", Sugimoto explicou que foi apresentado a Bono pela primeira vez durante uma visita a um colecionador de arte na França, quatro anos antes.
"Fui levado de jatinho particular a essa linda vila em Nice", explicou ele. "Quando chegamos lá, esse cara, bem baixinho - OK, meu tamanho - estava me dando as boas vindas. Eu pensei: 'Ele pareço familiar'." Embora não imparcial sobre o rock, Sugimoto não estava familiarizado com o trabalho do U2. "Eu fazia parte da geração dos Beatles", disse ele. "Eu ainda tenho o 'The Dark Side Of The Moon' do Pink Floyd tocando no meu carro!"
Bono confessou que ele amava as fotografias Seascape de Sugimoto e começou a fazer perguntas para o artista sobre o trabalho.
"Ele passou a fazer anotações enquanto eu falava", lembrou Sugimoto. Essas notas se tornaram a base para a faixa-título do álbum.
Em 2008, durante uma visita a Dublin, Sugimoto ouviu a primeira demo tape e, alguns meses depois, Bono lhe disse que o U2 queria usar a imagem de Boden Sea na capa do álbum.
"Eu disse: 'Você tem certeza? Se você usá-la, você não será capaz de colocar nada em cima dela, nem mesmo o nome do U2'", lembrou o artista.
Ele ficou surpreso quando Bono concordou firmemente. A capa possui um sinal de igual, mas anexado ao invólucro de plástico, por isso desaparece uma vez tirado o invólucro.
Sobre dinheiro, Sugimoto revela: "Eu me dei um segundo para pensar sobre isso, e eu disse: 'Que tal um acordo da Idade da Pedra - sem envolver dinheiro?'"
Bono concordou com um acordo de troca de "artista para artista", pelo qual Sugimoto poderia usar a canção "No Line On The Horizon" em qualquer projeto que ele quisesse no futuro. Sugimoto diz que ele ainda não pensou sobre como usar a música - que ele diz que gosta, mas que gostava ainda mais em sua versão demo "mais hard rock".
"Talvez eu use em algum projeto de videoarte ou projeto de caridade", disse ele. Ele ficou feliz com a capa do álbum? "As edições box set do álbum são bem impressas", observou. Mas, ele ficou resignado com a impossibilidade de controle de qualidade adequada quando eles "imprimi-lo em todo o mundo".
Ainda assim, Sugimoto estava convencido de que suas fotografias impressionaram muitas pessoas.
"Esse é o efeito das seascapes (paisagens marítimas)", disse ele, antes de explicar que uma visão de um oceano sem barco é uma das únicas coisas que restam no mundo que podemos experimentar da mesma maneira que nossos ancestrais primitivos teriam experimentado milênios atrás. "As obras estão realmente ligadas às raízes muito profundas da mente humana", disse ele. "Mesmo para as mentes dos músicos que alcançaram o auge do sucesso".
NOTA: a versão de 'No Line On The Horizon' que Sugimoto diz ter ouvido e gostado, pode ser a Versão 2 que virou b side!