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quinta-feira, 21 de setembro de 2017
"Estávamos dispostos a não olhar mais para o passado. Queríamos que nosso público se esquecesse do velho U2"
O disco 'Achtung Baby' não tinha nome e nem a maior parte das canções quando o U2 aterrissou em Berlim para começar a gravá-lo, em 3 de Outubro de 1990. "A gente não sabia bem no que ia dar", disse Edge (ele não gosta de ser chamado com o 'The' de seu codinome). "Só tínhamos uma certeza: não íamos sair ilesos da experiência." Ninguém saiu mesmo, porque o trabalho foi uma espécie de parto que deu forma à maior banda de rock do mundo, título que o U2 ostenta desde então. O álbum foi lançado em 31 de Outubro de 1991, dando início a uma nova fase, interativa e crítica do U2. A partir de então chamado de megabanda, o grupo começou a fazer shows multimidiáticos como a ZOOTV, ganhou os prêmios mais importantes da indústria e promoveu vendagens milionárias de ingressos e CDs. Seus álbuns de estúdio venderam mais de 170 milhões de cópias no mundo inteiro.
Cansados da influência do rock americano (que resultou nos consagradores álbuns 'The Joshua Tree', de 1987, e 'Rattle And Hum', de 1988), Bono, The Edge, Adam Clayton e Larry Mullen Jr. decidiram dar as costas à tradição americana e abraçar a Kultur Klub berlinense, a cena eletrônica que agitava a maior cidade da Alemanha recém-unificada no início dos anos 1990. Os músicos e os produtores Brian Eno e Daniel Lanois alugaram o Hansa Ton Studios, na Berlim Oriental, para a imersão – ou, como disse Bono, o psicodrama grupal que se sucederia nos seis meses seguintes. O título 'Achtung Baby' veio durante a pós-produção em Dublin. O U2 adotou 'Achtung', palavra alemã que significa "cuidado, atenção", como marca geográfica, histórica e artística.
O dia era frio quando aterrissaram em Berlim, conforme mostra o documentário 'From The Sky Down', um making of do disco. Ao sobrevoar a cidade, Bono observou que ela ainda exibia as marcas da divisão entre os setores oriental e ocidental, mesmo que a Alemanha vivesse, naquele momento, o início do processo de reunificação: restos do muro, derrubado um ano antes, ainda podiam ser vistos, e a zona de segurança entre os dois setores, no centro destruído da velha Berlim, servia como acampamento de ciganos. "A história acontecia na nossa frente", disse Bono. "Estávamos dispostos a não olhar mais para o passado. Queríamos que nosso público se esquecesse do velho U2".
O processo de criação foi doloroso, arrastado e cheio de discussões. Quando se instalaram no prédio histórico dos estúdios da Köthener Strasse, número 38 – um templo do pop eletrônico, próximo à então ainda devastada Potsdamer Platz, centro da antiga Berlim oriental, não imaginaram os problemas que enfrentariam, artísticos e sentimentais. "Foi o momento em que descemos ao inferno de nós mesmos para nos reinventarmos como banda", afirma Bono. "Éramos quatro homens cortando a machadadas a árvore de Josué (trocadilho com o título do disco 'The Joshua Tree'), em busca de uma nova identidade espiritual. Assim tivemos nossos primeiros abalos pessoais."
Bono se sentia limitado no palco. Tentava descobrir uma nova forma de expressão dançando no chão de tábuas do estúdio. "Eu ansiava por ser outro", disse. "Queria captar o espírito do tempo e do lugar. Era Berlim, a capital da vanguarda e do surrealismo, precisava achar uma nova persona inspirada nos quadros surrealistas. Daí surgiu minha fantasia de MacPhisto, o diabo do consumismo (que levaria aos palcos na ZooTV)." Edge acabara de se separar. Demorou muito para achar inspiração nas cordas da guitarra. Chegou a chorar sobre o instrumento, até criar a canção "One" – que se tornou um dos hinos da banda e batizou a Fundação One, de Bono, de combate à fome. "Estava encantado com a batida eletrônica intensa de bandas alemãs como Kraftwerk e Einstürzenden Neubauten. Mesmo assim, não conseguia escapar do lirismo", afirma Edge. Nesse impasse, achou a batida perfeita para a música "Zoo Station", um eurobeat que caiu bem no baixo de Adam Clayton, mas foi difícil para Larry Mullen acompanhar. O documentário mostra Larry Mullen com dificuldade de reproduzir o ritmo incessante e robótico exigido por Edge. Ele teria desertado das gravações, não fosse a paciência do produtor Brian Eno, que se prolongou até meados de 1991 nos estúdios Windmill Lane, de Dublin, onde todo mundo discutia sobre a finalização da sonoridade.
Muitas vezes, os quatro amigos passeavam por Berlim, a bordo do Trabi, o carro de acrílico símbolo da Alemanha Oriental. Saíam pela intensa noite berlinense, à cata dos bares e clubes mais extravagantes, onde dançavam e prestavam atenção ao bate-estaca violento então em moda. Depois, voltavam ao estúdio, com os cérebros excitados. As seis dezenas de faixas gravadas em Berlim foram feitas depois das noitadas. Poucas foram para o disco. Na elaboração da agitada "Blow Your House Down", que permaneceu inédita até a edição especial de aniversário de 20 anos do disco, Edge toca, Bono rabisca letras em silêncio, Adam e Larry tentam superar as dificuldades técnicas. "Conseguimos vencer a monotonia", diz Bono. "E viramos outros". O álbum marcou uma das mais radicais metamorfoses de estilo da história do rock.
A banda voltou ao estúdio de Berlim em 2010 para planejar 'From The Sky Down', com Davis Guggenheim. Lá, todos discutiram o legado do disco. Bono e Edge disseram que ele é ambivalente. De um lado, o U2 lançou as bases do pop-rock de vanguarda de bandas como Nine Inch Nails e MGMT, que consideram seus herdeiros. De outro, construiu uma fórmula de gravação e espetáculo que aprisionou a banda por longos anos. Para Bono, o modelo criado pelo U2 está superado. "Bandas de rock são impotentes para mudar o mundo ou conquistar fãs. Somos de outro tempo, em que discos eram tudo o que tínhamos. Agora há tanta opção cultural que ninguém dá a mínima para discos e shows".
Como ir além da enorme glória já conquistada? Não será, certamente, com um álbum conceitual como 'Achtung Baby', agora vendido como obra rara. Não seria hora de terminar? "Somos punks, somos irlandeses", diz Bono. "Ninguém vai nos derrubar facilmente!"
Do site: Revista Época
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