Neil McCormick - Daily Telegraph Magazine - Outubro de 2000
Em uma época em que a fama é frequentemente retratada mais como um fardo do que um privilégio, Bono, de 40 anos, representa uma figura refrescante e destemida, não querendo deixar que pequenas coisas como multidões de fãs histéricos, enxames de paparazzi ou guarda-costas superprotetores invadam em sua liberdade pessoal.
A última vez que nos encontramos foi em setembro de 1999 em Roma, onde Bono liderou uma delegação da instituição de caridade Jubilee 2000 para se encontrar com o Papa João Paulo II e ajudar a garantir o apoio do Vaticano para uma iniciativa ousada de cancelar a dívida do Terceiro Mundo.
Depois de um longo dia conversando sobre economia e política com a mídia mundial, acabamos em um restaurante de rua depois da meia-noite, com Bono resistindo a todas as tentativas de persuadi-lo a dormir um pouco antes de um vôo das 6:00 da manhã para Washington. 'Dormir é para economistas!' ele anunciou maliciosamente, caminhando corajosamente no meio da rua e erguendo a mão para os carros que se aproximavam.
Claro, se fosse você ou eu, provavelmente teríamos acabado de ser atropelados por um motorista irado, mas a fama de Bono fez o trânsito parar por completo. Antes que seus acompanhantes locais percebessem o que estava acontecendo, estávamos nos espremendo na parte de trás de um carro cheio de clubbers transexuais. Como Bono diz: 'Sempre vi os carros que passam como uma oportunidade ao volante'.
Vinte minutos depois, estávamos sentados em uma pequena mesa em uma boate lotada entre gente bonita de gênero indeterminado, bebendo champanhe e vodka de cortesia enquanto uma garota seminua tentava atrair a atenção de Bono dançando na mesa. - 'Lembre-me, do que se trata essa estrela do rock?'Bono meditou em voz alta, fumando um charuto gigante. 'Ah sim. Garotas gritando. Roupas da moda. Pessoas tocando guitarra. Entendi!'
Se a vida fosse tão simples assim. Bono pode estar determinado a não deixar sua consciência atrapalhar a diversão, mas percebe-se que, para ele e seus colegas do U2, o estrelato do rock é um negócio complicado em que a liberdade que o sucesso lhes trouxe é contrabalançada pela responsabilidade .
Seu ativismo político e compromisso com boas causas (notadamente a Anistia Internacional e o Greenpeace) têm sido uma característica constante de uma carreira que abrange as duas últimas décadas turbulentas do século passado. Mas enquanto o idealismo do U2 nunca esteve em dúvida, o envolvimento de seu vocalista com o Jubilee 2000 se tornou uma questão cada vez mais contenciosa dentro da banda, as demandas do tempo de Bono efetivamente atrasando a conclusão de seu novo álbum. Originalmente agendado para o outono de 1999, 'All That You Can't Leave Behind' será finalmente lançado na próxima semana.
"Está apenas um ano atrasado", diz Bono, com um sorriso tímido e cômico. Estacionando sua Mercedes vintage em frente ao Clarence Hotel em Dublin, ele entrega as chaves do carro para um porteiro e nos assegura um canto tranquilo do bar. "Tenho alguma influência aqui", declara. Bem, ele deveria. O U2 é o dono do hotel. Parecendo bem, saudável e consideravelmente menos cansado do que da última vez que o vi, Bono está em forma efervescente, claramente saboreando seu retorno à linha de frente do rock. "Sinto como se estivesse usando um chapéu-coco e carregando uma pasta", diz ele. "Agora eu encontrei minha voz novamente, e é uma sensação incrível".
Quando Bono fala em encontrar sua voz, ele quer dizer isso tanto figurativamente quanto literalmente. Enquanto ele estava falando rouco em nome do Terceiro Mundo, ele também evitava confrontar seus próprios piores demônios na cabine de gravação. Poucos fora de seu círculo mais próximo estarão cientes, mas o homem regularmente aclamado como um dos maiores cantores de rock do mundo tem se preocupado com sua voz por vários anos, atormentado por constantes problemas de garganta e uma sensação incômoda de que ele não poderia mais atingir as alturas de outrora. "Nunca me senti realmente um cantor", ele admite, exibindo uma vulnerabilidade incomum. "Sempre foi difícil para mim ouvir minha voz no rádio. Parecia amarrado, contraído. Pelo menos eu sempre a tive ao vivo. Mas eu estava tendo muita dificuldade na última turnê. Todo mundo dizia que era meu estilo de vida, ficar falando o tempo todo ao telefone, nunca ir para a cama, fumar, beber muito, então eu estava fazendo mudanças, mas simplesmente não conseguia chegar lá".
Na verdade, você tem a impressão de que, para o carismático frontman do U2, a fama é uma espécie de chave mágica que pode destrancar quase todas as portas, do palácio do Papa a um bar transexual decadente.