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sábado, 10 de dezembro de 2016

A Entrevista de Bono para a Rolling Stone em 2005 - Parte 01


Em outubro de 2005, um repórter da Rolling Stone visitou Bono em Cancún, no México, onde o U2 estava repousando antes da segunda etapa de sua turnê 'Vertigo' pela América do Norte. Bono e o baterista Larry Mullen Jr. estavam acompanhados de suas famílias na casa que Bono alugara na praia, onde ele e Ali estavam hospedados com seus quatro filhos.
Enquanto uma tempestade se formava lá fora, o jornalista e Bono se recolheram a um dos quartos, onde se acomodaram para conversar. Começaram ao meio-dia, foram até a noite, e na manhã seguinte, retomaram. No total, falaram por mais de dez horas.
Quem quer que já tenha assistido a um show do U2, conhece a capacidade dramática de Bono para contar uma história e seu amor evidente pelas palavras. Em pessoa, ele é igualmente impressionante, repleto de humor e charme. E adora falar. Duas semanas mais tarde, Bono foi à redação da 'Rolling Stone' para passar uma hora ou duas esclarecendo mais alguns pontos. "Você vai precisar de um antibonônico quando isso acabar", ele brincou.
A história de Bono e de sua banda é uma história de compromisso, lealdade mútua, e eles continuam a ser uma unidade notavelmente estável- e de dedicação a causas maiores de justiça social. Bono nos oferece uma visão de como o amanhã pode ser melhor que o presente.

Na entrevista a seguir, Bono diz ainda, entre muitas outras coisas, que nunca se sentiu muito bem na posição de astro do rock. "Sempre pensei que o posto foi dado ao sujeito errado, que era melhor que fosse entregue ao cantor magricela e pretensioso, e não ao cara com jeito de pedreiro ou boxeador."

Para começar, de onde vêm esses óculos de sol?

Bono - Bulgari. Muita gente pensa, ao ver a letra B na lateral, que eles são a prova da minha megalomania. Mas isso só acontece metade do tempo. Sou a Imelda Marcos dos óculos escuros.

Por que você os usa o tempo todo?

Bono - Tenho olhos sensíveis em excesso. Se alguém me fotografa, fico com a imagem do flash na retina pelo resto do dia. Meu olho direito se incha. Assim, é em parte por vaidade, em parte por privacidade e em parte por sensibilidade.

Como foi sua infância em Dublin?

Bono - Cresci naquilo que vocês provavelmente classificariam como um bairro de classe média baixa. Nos EUA, não existe equivalente exato. Algo como classe operária próspera? Mas era uma boa rua, ocupada por boas pessoas. E, no entanto, para ser honesto, sempre tive a sensação de que a violência estava por perto.
Minha casa era bem comum, uma casa de três quartos. O terceiro quarto, do tamanho de um armário, era conhecido como "sala das caixas" -e era o meu quarto. Minha mãe saiu de cena cedo. Morreu diante do túmulo de seu pai. Assim, perdi meu avô e minha mãe em um intervalo de poucos dias. Depois disso, a casa se tornou um domicílio masculino. E de três homens, como o futuro mostraria, muito machos -com todos os problemas que isso acarreta. Eu continuo a trabalhar para controlar meu lado agressivo. O nível de agressividade que eu tinha não é normal ou aceitável.

Quais foram os primeiros discos de rock que você ouviu?

Bono - Aos quatro anos, ouvi "I Wanna Hold Your Hand", dos Beatles. Acho que foi em 1964, lembro de ter assistido aos Beatles com meu irmão no dia de São Estevão. Aquele senso de quadrilha que eles exibiam, levando em conta aquilo que eu disse há pouco, fez efeito sobre mim, e o mesmo vale para o poder melódico, o corte de cabelo, a sexualidade. Depois, cantores como Tom Jones. Eu o via no sábado à noite em um programa de variedades e ele suava, era uma espécie de animal, descontrolado no palco. Cantava com abandono. Tinha uma voz larga, negra, para um sujeito branco. E também, evidentemente, Elvis. Eu ficava pensando: "Nossa, o que é isso?" Eles mudavam a temperatura de uma sala.

Quando você descobriu Elvis?

Bono - Eu talvez tenha ouvido as canções mais cedo, mas foi naquele especial, quando ele se levantou para cantar - porque ele não conseguia ficar sentado. O que me afetou foi isso -ele não estava em controle daquilo. Aquilo estava em controle dele.

Quem mais teve impacto sobre você, musicalmente, quando tinha aquela idade?

Bono - Antes eu me interessei pelo The Who, pelos Rolling Stones, pelo Led Zeppelin, esse tipo de som - me lembro claramente do álbum 'Imagine', de John Lennon, talvez aos 12 anos. Foi um dos primeiros discos que tive. Ele realmente me incendiou. Era como se ele estivesse sussurrando em meu ouvido - as idéias dele sobre aquilo que era possível. Maneiras diferentes de ver o mundo. Quanto tinha 14 anos e perdi minha mãe, voltei a ouvir os discos da Plastic Ono Band. Bob Dylan, ao mesmo tempo. Ouvi seus discos acústicos. Depois comecei a pensar em tocar aquelas canções acústicas. Meu irmão tinha um livro de partituras dos Beatles - eu comecei a tentar aprender violão, e ele tentava me ajudar. E aquela canção -uma canção que é genial, mas que deixa todo mundo envergonhado um dia depois de aprendê-la -"If I Had a Hammer". É como uma tatuagem.

Depois do Live Aid, você e sua mulher, Ali, foram à Etiópia. Foi em setembro de 85. Como essa experiência viria a afetá-lo?

Bono - É uma pergunta complicada. O caminho que você está tomando aqui é interessante. O que você vai me levar a fazer é tentar justificar porque faço parte de uma banda de rock. Recuando ao passado, por alguma razão sempre associei música a emancipação e liberdade pessoal. Se o rock significa algo para mim, é libertação. Não só pessoal -da sexualidade, da espiritualidade- mas também para os outros. Mas às vezes o narcisismo necessário a uma carreira como cantor me causa conflitos. É bastante possível que a pessoa se deixe seduzir pelo sucesso, esqueça seus ideais e termine na capa da 'Rolling Stone' usando óculos escuros caros, sem se recordar de quem ela realmente é. Isso envolve também o desenvolvimento de um sorriso cínico, de ironia, das camadas de proteção necessárias a um astro do rock na era da celebridade.

E isso quase causou o rompimento da banda?

Bono - Sim, algumas vezes nós chegamos a pensar que poderia haver ferramentas melhores do que as guitarras elétricas para mudar o mundo.

O que queria mudar?

Bono - Primeiro, a nós mesmos. Queria que nos tornássemos pessoas melhores. E, segundo, a vilania do mundo. Para muitas pessoas, o mundo é um lugar de desespero. Um terço das pessoas que o ocupam não conseguem ganhar seu sustento. E não existe motivo real para isso, a não ser certa dose de egoísmo e de cobiça.

O Live Aid ajudou a justificar sua presença em uma banda?

Bono - Sim. É justo dizer que fomos parte do clima que propiciou o primeiro Live Aid. Fomos parte da criação desse tipo de movimento positivo de protesto, nos anos 80. Consideramos que aquela jornada da igualdade, que se manifestou nos EUA por intermédio do movimento dos direitos civis, agora se transferiu à África. Se realmente acreditássemos que essas pessoas são iguais a nós, não deixaríamos que aquilo acontecesse.
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