Trinta e nove anos depois de um dos mais polêmicos episódios envolvendo a presença britânica na Irlanda do Norte - quando 14 pessoas morreram e 12 ficaram feridas após o exército abrir fogo contra manifestantes católicos em Londonderry -, o Ministério da Defesa anunciou um programa de indenizações para familiares das vítimas do episódio que ficou conhecido como Domingo Sangrento.
Longe de espontânea, a medida foi anunciada em resposta à ameaça de diversos parentes entrarem na justiça contra o governo. Há um ano, o Inquérito Saville, que desde 1998 investigava as circunstâncias do Domingo Sangrento, concluiu que as ações dos militares fora injustificada, contrariando a decisão do inquérito original, de 1974. E em junho o premier David Cameron pediu desculpas oficialmente em nome do governo pelo incidente, que inspirou uma série de manifestações artísticas na Irlanda do Norte e na República da Irlanda, incluindo a emblemática canção 'Sunday, Bloody Sunday', do U2.
Algumas famílias rejeitaram a oferta de compensação financeira, sustentando que querem julgamento criminal para os envolvidos. Ninguém foi sequer formalmente acusado pelas mortes.
- É repulsivo. Ofensivo. Não agora, não vamos aceitar dinheiro nunca - disse Linda Nash, que perdeu o irmão de 19 anos no massacre.
Há ainda complicações como o fato de que a maioria dos parentes diretos de vítimas já morreu e que outros eram jovens, solteiros e sem dependentes. Muitos dos feridos também já morreram. Outro ponto polêmico é que já houve pagamentos de indenizações às famílias nos anos 70, depois do inquérito original, ainda que em somas simbólicas. O governo tampouco revelou o valor que pretende pagar agora e pretende usar um complexo sistema de classificação para separar os eventuais pedidos das famílias.
A questão também está despertando protestos junto a famílias de pessoas mortas em atentados levados a cabo por grupos paramilitares como o Exército Republicano Irlandês (IRA), responsável por uma campanha de terror que resultou em quase 3 mil mortes em três décadas de violência na Irlanda do Norte.
- As famílias do 'Domingo Sangrento' já tiveram sua vitória na justiça, por que precisam de algo mais? Ou será que alguém indenizará as pessoas feridas ou mortas pelo IRA - questionou Mary Hamilton, que em 1972 foi ferida por um atentado a bomba do grupo da paralimitar que matou nove pessoas, também em Londonderry.
A repressão ao protesto, que questionava a prisão de integrantes do IRA, terminou ampliando o apoio local à organização militar irlandesa. O governo britânico tornou-se alvo da fúria da região por ter classificado o massacre como uma reação a ataques do IRA. Os mortos foram identificados como atiradores.
O Ministério da Defesa britânico confirmou o pagamento das indenizações, sem dar detalhes. Os advogados das vítimas e de suas famílias receberam cartas para acertar os termos do pagamento.
"Nós reconhecemos a dor sentida por essas famílias por quase 40 anos, e que os membros das Forças Armadas agiram de forma errada. Por isso, o governo pede desculpas", diz o comunicado do ministério.
O conflito na Irlanda do Norte opõe nacionalistas católicos, partidários da anexação da Irlanda do Norte à vizinha República da Irlanda, aos chamados "unionistas", protestantes defensores da continuidade da ligação com o Reino Unido.
Fonte: O Globo