Folha De São Paulo - São Paulo, quarta, 28 de janeiro de 1998
O Brasil parecia uma mulata vestida de Carmen Miranda balançando furiosamente bumbum e balangandãs para chamar a atenção da "maior banda do mundo". Juntos, os shows de Gabriel o Pensador e da banda Bootnafat fizeram o samba do brasileiro doido, mais pós-moderno que qualquer PopMart do pedaço.
Parte do público não sabia que teria direito a show-bônus antes de Gabriel. Maracutaia da Skol, que queria impor o Bootnafat, banda revelada em festival que a empresa patrocina. Mais gato por lebre, impossível. Foi um pouquinho de rock pesado, não sem pitadas de heavy metal tradicional - fugindo do espírito da PopMart do U2.
Aí veio Gabriel. Ele estava ultradisposto e fez um megashow de Gabriel o Pensador. O que isso quer dizer? Uma gafieira de refrões e/ou grooves grudentos: "Saúde", de Rita Lee, "Redemption Song", de Bob Marley... Essa é a senha: nenhum dos sucessos de Gabriel é de Gabriel. Gabriel não faz música, solta o palavrório e emenda com refrões de supermercado.
Do público, Gabriel só arrancou uníssonos nos momentos óbvios. Aconteceu em "Cachimbo da Paz" (será que Bono sabe que é sobre maconha?), no grotesco pastiche de "Festa da Música Tupiniquim" e em "2345 meia 78".
"O U2 aproveita a música para falar muitas verdades", proferiu Gabriel, mostrando que não anda ouvindo a banda-madrinha.
Era o que se podia esperar da salada que ele promoveu, citando caos do sistema de saúde, assédio sexual (Clinton?), desemprego, Legião Urbana e Martinho da Vila.
A síntese era só uma: "Ah, eu tô maluco", explicou Gabriel. Talvez tenha mesmo a ver com o caos pós-moderno de PopMart.