A Rádio Cidade entrevistou na semana passada, Bono.
Ele falou sobre o seu novo trabalho, o que ele acha do Brasil e da nova turnê do disco 'Songs of Innocence'.
O site da Rádio disponibilizou o áudio da entrevista e sua transcrição.
Entrevista e tradução: Pamella Renha e Bruna Cora
Rádio Cidade - Comenta-se que 'Songs of Innocence' mostra um U2 saudosista, musicalmente falando, e futurista, pela maneira de como foi divulgado o álbum. Esse extremo foi proposital ou algo que surgiu no decorrer da produção do disco?
Bono - Ah, que pergunta espertinha. Mas foi exatamente isso. Olhando para o futuro musicalmente e nas letras, eu tive que olhar pra trás. Sabe, as vezes na sua vida você precisa olhar pra trás e descobrir o porque você é desse jeito e sabe de uma coisa? Isso pode ser muito narcisista, é como olhar para o espelho. Ou quando você senta no sofá e começa a se questionar: ‘Por que você entrou na banda? Quais foram as forças que te motivaram? E quando eu me perguntei sobre isso, foi um grande momento. Choque de ideias, de sentimentos e fluiu dentro de mim. Fui parar em locais onde eu nunca havia ido por um bom bom tempo. Foi muito denso. Mas eu queria passar o que estava sentindo naquele momento, me preocupei muito com as letras por conta disso.
Rádio Cidade - Alguma razão em especial para anunciar o próximo trabalho de estúdio no mesmo dia de lançamento 'Songs of Innocence'? 'Songs of Experience' vai ser uma espécie de continuação?
Bono - É mais ou menos. Tem um poeta chamado William Blake, que teve uma grande influência, e o William tem dois livros chamados 'Songs of Innocence' e 'Songs of Experience' que deram a ele uma noção de escrever sobre o passado e a sensação de que ele estava escrevendo sobre o agora. E os pensamentos sobre o que está acontecendo agora me deram a chance de escrever músicas para o próximo álbum, que eu acredito que não vá demorar. Talvez um ano ou um ano e meio, maaaaas não tenho muita certeza (risos)!
Rádio Cidade - O single "The Miracle (Of Joey Ramone)" foi recebido com muito entusiasmo pelas rádios e por parentes e amigos de Joey Ramone. Já atingiu o 19º lugar na Billboard e teve ótima aceitação dos ouvintes da Rádio Cidade...
Bono – Sabe, essa manhã recebi um e-mail do imão de Joey Ramone, que foi o e-mail mais incrível em termos de me encorajar. Eu aprendi a cantar por conta dos Ramones e eu acho que não tenho AQUELA voz de roqueiro, não sou como o Mick Jagger ou como o The Clash. Na real, eu sempre achei que cantasse com uma mulher e Joey Ramone também cantava como uma mulher. Eu pensava: ‘se ele pode eu também posso’. Então os Ramones mudaram tudo para nós. Os quatro do U2 foram assistir ao show dos Ramones, a gente nem tinha ingresso e nem dinheiro para isso. Um amigo nosso trabalhava na casa de show e nos deixou entrar escondido. Só vimos a metade e aquilo mudou a nossa vida, tudo virou de cabeça para baixo. Mais tarde eu pude conhecer o Joey e ele ia aos nossos shows, festejava com a gente… ele dizia que Os Ramones deveria ser tão grande quanto o U2 e eu dizia ‘você está certíssimo’. E ele dizia ‘você sabe onde nós somos maiores? No Brasil!’. O Joey amava o Brasil, a última conversa que eu tive com ele estávamos em um lugar em Nova York e ele disse exatamente isso...
Rádio Cidade - No início de tudo, quando vocês eram o The Hype, vocês já tinham noção de que se tornariam um dos artistas mais importantes da história da música? Como era a vida naquela época?
Bono - Dublin nos anos 70 era um tanto quanto complicado. Tínhamos muita violência política, basicamente no Norte do país, havia muita pobreza. Eu morava numa rua que era boa chamada Cedarwood Road, tinha muita violência ali perto.. Mas eu lembro que a pior violência que tinha era a violência doméstica. Tipo o pai com o filho ou o marido com a esposa. Existem algumas músicas no CD 'Songs of Innocence' que são mais obscuras, por conta dessas histórias. A igreja irlandesa tinha uma grande força, eu ainda acredito nas coisas, sei que a igreja dos anos 70 cometeu muitos erros. Foram tempos difíceis…Mas ao mesmo tempo fortificou amizades e amores. Eu comecei a namorar a minha esposa, na mesma semana em que entrei no U2, e foi uma boa semana! Nós éramos chamados de The Hype porque a gente queria encher as pessoas, não queríamos fazer músicas brandas, queríamos enfrentar as pessoas. Nós saímos na rua para fazermos os nossos flyers de divulgação. A gente fazia grafiti, divulgando os shows, e claro que nos metíamos em problemas. Acreditávamos que música era importante e queríamos chegar nas pessoas. Quanto mais melhor!
Rádio Cidade - Eu não sei se você pode falar alguma coisa, mas hoje está acontecendo o referendo da emancipação da Escócia. Será que você nos contaria a sua opinião sobre isso?
Bono - Eu já estou muito encrencado, muito encrencado ( risos)! E você sabe que não me importo de me meter em encrencas. Por mim sairia metendo o pé na porta e falaria boas verdades sobre o mundo. Mas eu pensei: ‘vou ficar na minha pelo menos dessa vez’. Acho que o povo escocês é inteligente o suficiente para saber o que é melhor para eles. Sabia que nós somos os mesmo tipos de pessoas? Antigamente, a Irlanda se chamava Scottish. Então, o povo que foi morar na Escócia é bem parecido com nós irlandeses. A música é parecida e nossas paixões também.
Rádio Cidade - Então agora vamos para outra pergunta…Nós aqui do Rio sentimos muito a falta da banda! E eu queria saber se você não sente falta da caipirinha carioca e de vir aqui para fazer um show para a gente! Vocês foram para São Paulo, aqui do lado e…
Bono - Eu sei! É que precisamos encontrar os locais para fazermos os shows! Como se pronuncia Carioca? CA-RI-O-CA! Eu sou carioca, com certeza! Na verdade, a gente precisa encontrar os lugares certos e, como você provavelmente deve ter escutado, o nosso baixista, Adam Clayton, é casado com uma brasileira, muito bonita, chamada Mariana. Nesse momento, estou cercado pelo Brasil… É, a gente precisa consertar isso. Eu amo tocar em locais pequenos, se pudéssemos tocar em locais menores, seria muito bacana.
Rádio Cidade - Em se tratando do Brasil, qual é a primeira coisa que surge na sua cabeça quando alguém menciona o nosso país? É a música, cultura, comida?
Bono - Bem, eu acho que tem uma coisa muito interessante. A combinação de sensualidade e a atitude racial. Eu descobri, por experiência própria - seria diferente se eu morasse no Brasil -, mas eu descobri que eu gosto como o povo é cheio de cores, formas. Vocês vivem num outro mundo, com outras regras, e percebo muito isso quando posso ir à praia. E a música é como se fosse um sacramento, é quase que religioso, não acha? Música é como um salva vidas. Sei que as pessoas falam disso pro futebol. Mas eu acho que a música e o ritmo refletem o que é o povo brasileiro. Nós irlandeses pensamos que somos brasileiros, mas que não sabemos dançar. Algumas culturas são mais frias e outras são mais calorosas. Eu acho que não existe algo mais sem graça que pessoas que são obsessivas em serem legais. Liberdade pra mim e intoxicante e sendo livre com você, com a sua alma, se abrindo nas letras das músicas. Não é só se arrumar em frente ao espelho, tentando ser diferente. O bacana é fazer uma conexão com um outro ser humano e ser livre o suficiente para dormir na praia, se for preciso, ou ficar num hotel cinco estrelas. Espero de coração ser livre o suficiente para fazer ambos.
Rádio Cidade - Depois de quebrar tantos recordes, como sentiu quando a Apple cedeu 500 milhões de álbuns? Você continua sentindo as borboletas no estômago?
Bono - É … sabe, isso é só a distribuição. Foi um grande presente da Apple. Eu não acredito em música gratuita. Músicos merecem mais respeito. E provavelmente eu mereça menos, porque eu e a banda recebemos muitos prêmios. Mas eu ainda parto do princípio que músicos merecem ser pagos. A Apple nos pagou e fico orgulhoso por isso. O acordo é que eles atingissem o maior número possível de pessoas, 500 milhões foi a distribuição, o número real, pelo menos nesses último 7 dias, 38 milhões de pessoas ouviram o nosso CD. Agora se eles guardaram aquilo nos corações, é outra coisa. Pelo menos eles deram uma chance para o nosso trabalho, deram ao U2 uma chance. Vocês estão tocando a nossa música no rádio e isso é muito importante para mim, de estar no mesmo playlist que os artistas que eu gosto. Arctic Monkeys e Arcade Fire...admiro muito o trabalho deles. Na real, o importante é ter gente para ouvir a sua música. Como eu digo, esse álbum é muito pessoal e espero que elas entendam de coração e alma.
Rádio Cidade - Eu li que você e o Liam Nesson estão escrevendo um filme juntos, sobre a cena musical da Irlanda. É sério isso?
Bono - Caramba! Eu não sabia que muita gente sabia disso, ou se de fato alguém sabia (hahahaha). Tem um filme chamado 'The Virgin of Las Vegas', que eu e o Nesson temos falado bastante de um grande escritor chamado Barry Devlin e um dia nós iremos gravá-lo. Ainda não temos uma data. O Liam é um ator genial e só de ele estar nesse filme... será um pequeno filme independente e tê-lo será incrível, ele disse que amaria fazer.
Rádio Cidade - Por fim, queria muito te parabenizar por este álbum, mas a música “Invisible” é minha favorita, ela é linda. Sempre coloco muito alto aqui na rádio. (risos)
Bono - Sabe…quando a versão física chegar as lojas, talvez “Invisible” faça uma aparição, no CD….