A segunda visita do U2 ao Brasil, que ocorreu em novembro de 2000, foi bem menos traumática para a cidade do Rio de Janeiro do que foi a primeira, em 1998, quando a cidade entrou em colapso no dia do show do grupo no autódromo Nelson Piquet, no Jacarepaguá.
Naquela ocasião, o caminho da zona sul ao local da apresentação, cerca de 30 km, virou uma epopéia de cinco horas.
O U2 voltou ao Rio 2 anos depois, para divulgar o álbum 'All That You Can't Leave Behind', que estava nas lojas há apenas três semanas.
Como parte de divulgação do novo álbum, a banda realizou uma mini-performance em um estúdio de TV para exibição no país, e Bono e Larry Mullen conversaram com exclusividade com a Folha de São Paulo no hotel Copacabana Palace.
Folha - A banda está satisfeita com 'All That You Can't Leave Behind'?
Larry Mullen - Muito. Dez, numa escala de zero a dez. É um álbum que nos reuniu em estúdio escrevendo as letras, fazendo as músicas e gravando por cerca de um ano e meio.
O resultado final, para a banda, foi empolgante. Estamos orgulhosos do disco. É daqueles que você não vê a hora de sair em turnê para tocar suas canções.
Bono - 'All That You Can't Leave Behind é o nosso nono álbum, mas nos deixou com um espírito leve, jovem, como se acabássemos de gravar o primeiro disco.
Folha - Grande parte da crítica musical, tanto inglesa como americana, celebra o disco como uma volta do U2 às raízes, algo como "eles deixaram de lado as experimentações tecnológicas e retornaram ao rock'n'roll do início". Vocês vêem assim? Tem a ver com esse espírito jovem que o Bono mencionou?
Bono - Não. Isso é bobagem. Não acho que é "uma volta do U2 às raízes". Considero até que esse é um álbum bastante sofisticado, em vários aspectos. Ele é cru, emocional, mas foi muito trabalhado.
Críticos dizem isso porque é algo fácil de dizer. Quando aparecemos com "Beautiful Day" pela primeira vez, com Edge fazendo aqueles riffs de guitarra, todo mundo falou: "Uau, isso é 1980".
Eles ignoram o fato de que é uma bateria eletrônica que abre a canção. O início dela tem vários loops, muitos efeitos. A música não tem nada de 1980, nem o restante do álbum.
Folha - Depois de nove discos e 20 anos de carreira, como é, para vocês, gravar um álbum que, em três semanas de lojas, já chegou ao primeiro lugar nas paradas de 31 países?
Bono - É fantástico. Sinto o maior dos sentimentos. Não falo isso pelo lado comercial. Numa banda bem-sucedida como a nossa, a vendagem não é a juíza das coisas. Se nossa música toca no rádio e atinge o sentimento das pessoas de alguma maneira, nosso trabalho está feito.
Com esse novo disco, acho que o U2 atingiu uma excelência, uma elevação.
Parece que, mesmo se você pegar músicas diferentes da banda, como "New Year's Day", "Discothèque", "Beautiful Day", você consegue enxergar a cor do U2.
Imagine que todo grupo de rock pudesse ser associado a uma cor. Como na pintura: se você fala Van Gogh, o amarelo ou o laranja vêm à mente, de modo natural. Quando você pensa em Picasso, você pensa no vermelho. No rock, grandes grupos despertam uma cor.
Os Rolling Stones, você consegue dar uma cor a eles. O Radiohead tem a sua, o Oasis também. Os Beatles têm umas três ou quatro cores a que você associa suas canções.
Agora, acho que o U2, com esse novo álbum fechando o ciclo de 20 anos da banda, conseguiu esticar seu espectro de cores. A banda tem uma cor, mas com vários tons. Sei lá, imagino o U2 vermelho. Que pode ser imaginado laranja nos tempos do "Boy", "War" e que vem até o violeta, agora.
Penso dessa maneira. Filosofei demais?
Folha - Como estão os preparativos para a próxima turnê? O Brasil está nos planos?
Mullen - Nossa turnê mundial começa em abril. Não há nada muito planejado ainda. Há uma intenção da banda de tocar em lugares menores, de fazer uma coisa mais simples do que foi a PopMart Tour.
O Brasil, claro, está nos planos. Não temos um calendário ainda, mas talvez vamos tocar aqui no final do ano que vem, talvez em 2002.
Folha - Olhando para trás, para 1998, o que vocês lembram dos shows do Brasil, os dois de São Paulo e aquele que parou o Rio de Janeiro?
Bono - Não vou mentir. Não tenho sentimentos bons quando me lembro do show do Rio. Em São Paulo foi incrível, achei a cidade espetacular. A segunda apresentação lá eu considero mágica, rara.
Mas, no Rio, tive a sensação de roubar nossos fãs. As pessoas que ficaram com ingresso na mão sem conseguir chegar até nós. Os que ouviam nosso show da estrada... Embora saiba que não era nossa culpa, mesmo depois de ver os responsáveis discutirem sem saber o que fazer, me sinto culpado por aquele dia.
É em parte por isso que escolhemos o Rio de Janeiro para esse evento da TV e é por isso também que, toda vez que tivermos uma boa desculpa para vir ao Brasil, estaremos aqui.
Aqueles shows em 1998 foram especiais para a banda. Estávamos diante de pessoas que nunca tínhamos visto na vida e, mesmo assim, nos sentimos confortáveis como se estivéssemos em casa.