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quarta-feira, 15 de maio de 2013

O U2 mordendo a mão que os alimentou

No ano sabático, durante 1985, Bono viajou extensivamente. Por pouco os astros de rock teriam se irritado com ele por fazer o Live Aid, e não saber em primeira mão o que acontece na Etiópia. Então ele foi lá com Ali, como trabalhador voluntário. 
Sua parceira tinha uma verdadeira preocupação com os mais desfavorecidos, especialmente às pessoas nos países emergentes, marginalizados pelas maquinações daqueles que seguravam as rédeas da política, economia e poder militar no Oeste. E então eles também viajaram para a América Central, patrocinados pela Anistia Internacional, para observar e passar um tempo em El Salvador e Nicarágua. Era natural para um homem e uma mulher irlandeses se identificarem com a experiência nicaragüense, naquele pequeno país lutando para estabelecer sua própria liberdade e identidade, sendo intimidado por um vizinho muito maior e mais poderoso. Nas ruas, Bono viu a terrível miséria, um resultado direto do bloqueio econômico americano e os EUA dando apoio para a guerra civil travada pelos Rebeldes. Mas ele também viu a dignidade com a qual as pessoas se mantinham em face às calamidades que os visitavam. Era uma visão sobre o lado negro da política externa dos EUA, que seria difícil de esquecer. Eles também chegaram suficientemente perto para a brutal campanha de assassinatos e opressão sendo travada com apoio dos EUA em El Salvador, para chegar a uma única conclusão: “O espírito do povo na Nicarágua está sendo abatido”, Bono disse na época. “Eles estão sem comida e sem suprimentos. Eu estava em um comício de Daniel Ortega, e você pode dizer a partir do olhar das pessoas que queriam muito acreditar em sua revolução. Mas as pessoas pensam com o bolso a maior parte do tempo e você não pode culpá-los por isso, mulheres tentando educar os filhos, e pais de família sem emprego. É apenas muito triste ver o estrangulamento da América sobre a América Central, na prática. Quando você vai a um restaurante e eles lhe dão o menu, há 15 itens no menu e eles não lhe dizem que na verdade só tem um. Você tem que pedir 14 vezes antes que eles lhe digam ‘não, nós só temos arroz’”.
Não teria sido da natureza de Bono permanecer em silêncio. Como Martin Luther King tinha emergido como o herói de 'The Unforgettable Fire', agora 'The Joshua Tree' tornava-se uma prece pelos despossuídos e por vítimas da opressão militar. Os Estados Unidos tinham sido bons para o U2. Tinham abraçado-os, transformado-os num dos maiores sucessos e mais importantes grupo de sua era. Mas as coisas que estavam sendo feitas por americanos na América Central, ostensivamente em nome da liberdade e justiça, eram terríveis. Quando chegou a isso, o U2 estaria disposto a morder a mão que os alimentou.
"Bullet The Blue Sky" uiva com raiva e medo. Em El Salvador Bono tinha visto aviões caça do governo sobrevoando em uma missão. Ele ouviu o barulho de armas de fogo a distância.
Aquela era a realidade com que alguém acordava a cada dia. "Bullet The Blue Sky" era uma tentativa de confrontar o próprio público do U2 num sentido do que isso poderia significar.
Mas esse era apenas o ponto de partida, como a música volta atrás, buscando o coração da escuridão em que pessoas inocentes estavam sendo mergulhadas. Irangate, os detalhes do que havia surgido em 1986, expôs a ganância, duplicidade e corrupção a qual tinha retomado Washington durante a era Reagan. “As pessoas estavam tão atrasadas para tudo que Ronald Reagan representava”, The Edge refletiu na época de 'The Joshua Tree', ”mas agora eu acho que quando nós voltarmos para a América nós veremos um país quebrado. Ou isso ou as pessoas param para olhar, que é uma perspectiva mais assustadora.”
“Eu continuo acreditando nos americanos”, Bono acrescentou. “Eu acho que eles são um povo muito aberto. É essa abertura que os leva a confiar num homem como Ronald Reagan."
Eles querem acreditar que ele é um cara legal. Eles querem acreditar que ele está no calvário, vindo pra resgatar a reputação da América depois dos anos 70. Mas ele era somente um ator. Era somente um filme."Bullet The Blue Sky" fez uma outra conexão, ligando a desastrosa política externa americana de Reagan para seu próprio fundamentalismo religioso e dos cristãos tele-evangelistas que tinha florescido em sua versão da América. O U2 reconheceu que o imperialismo é alimentado por uma justiça que nega a outros o seu próprio direito de crer e manifestar suas crenças.
“Eu diria que nenhuma das minhas crenças fundamentais mudou”, The Edge disse durante 1986, “mas elas ampliaram e amadureceram e foram temperadas com uma vasta experiência (a) do que é bom sobre o resto do mundo e (b) o que é ruim sobre religião em todas as partes. Eu basicamente assumo que cada grupo religioso, ou comunidade, tem um problema, é de alguma forma asneira. Eu não acredito que existe um único caminho espiritual perfeito e, conforme vai percebendo, obviamente, você fica muito mais aberto”.
A menção do pregador Jerry Falwell inspirou raiva, na fronteira com o desprezo. “Ele prega que Deus veste um terno de três peças de poliéster, é branco, fala com sotaque sulista, é anglo-saxão, tem esposa e filhos. E então você diz, como isso se relaciona a um camponês chinês? E você percebe que não se relaciona, de qualquer forma”.
Ou para um sulista negro? A canção contrasta a queima de cruzes do Ku Klux Klan com o som libertador do saxofone de John Coltrane respirando dentro da noite de New York.
America: terra dos paradoxos. Tudo que é grande sobre o mundo, e tudo que é repulsivo sobre ele, enrolado em um. ‘Bullet The Blue Sky’ é sobre isso.

Agardecimento: Rosa - Achtung Zoo
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