Em 1997, Bono e Larry Mullen, falaram por 23 minutos com o apresentador Fabio Massari, para uma matéria na Folha De São Paulo, logo após o show do U2 na turnê Popmart em Barcelona.
Naquele momento, a primeira vinda do U2 ao Brasil já estava praticamente confirmada.
Abaixo, trechos da entrevista:
Folha - Há alguns minutos, vocês estavam lá no palco com 67 mil pessoas gritando em absoluta adoração. É possível se acostumar com esse tipo de "loucura"?
Bono - Você fica bem louco, isso eu posso te garantir. É melhor do que qualquer droga disponível. O problema maior é tentar se acalmar depois. Esvaziar a cabeça é que é meio difícil.
Folha - Como vocês avaliam as apresentações da banda? Dá para ser crítico numa turnê monstro como essa, com efeitos mil, parafernália de palco e tudo mais?
Bono - Você tem que ser. Você está mexendo com isso o tempo todo e a coisa vai crescendo. Uma turnê ou está melhorando ou piorando, parada é que ela não fica. Cada noite...
Ninguém realmente escreveu muito sobre o assunto de ser um "performer". Deveriam escrever um livro sobre isso, o que passa pela sua cabeça lá no palco com, como hoje, 67 mil pessoas enlouquecendo.
É uma coisa extraordinária, você cantando as músicas e as descobrindo ao mesmo tempo, durante a apresentação. Noites diferentes, músicas diferentes descobertas por você.
Folha - Com a Popmart Tour vocês estão criticando, com humor, o universo pop em que atuam como protagonistas. Vocês diriam que há um certo cinismo aí?
Bono - Não acho que somos uma banda cínica. Acho que a Zoo TV era muito mais metida a esperta. Na verdade estamos tentando nos divertir.
Nós somos uma banda grande e estamos tentando ser honestos a esse respeito, ser honestos a respeito da proporção disso tudo. Tentamos fazer algo extraordinário que não foi feito por ninguém antes. As pessoas lá do fundão experimentando as mesmas coisas que os da frente do palco.
Não estamos debochando... Ser uma banda grande é maravilhoso, tocar num estádio é demais. O Oasis tocou com a gente e o Noel Gallagher me dizia o seguinte: "Só existem dois tipos de pessoas que não querem tocar em shows como esse: os idiotas e os mentirosos". É uma coisa incrível. Você pode até apontar as contradições disso tudo, mas pode se divertir com elas.
Folha - Houve um momento em que vocês tiveram uma espécie de crise com relação aos "hits", vocês se recusaram a incluir certas músicas famosas em shows. Como foi a elaboração das músicas desta nova turnê?
Larry Mullen Jr.- As músicas têm que se adaptar ao que estamos fazendo na hora. Se as pessoas não conhecem bem as músicas, você tem que preparar um show com material que funcione para elas... Mas tem que funcionar para a gente também.
Folha - E o "set" muda muito ao longo da turnê?
Larry - Não muda dramaticamente não, mas muda. Uma música aqui, outra ali.
Bono - Há um tempo fizemos uma turnê em que pretendíamos ser como uma "jukebox", mudando o set toda hora. Quer saber? Ficou uma bosta. Agora é diferente. Estamos tentando contar uma história, pintar um quadro.
O rock está numa situação miserável no momento, está tudo muito marrom. Tentamos fazer tudo de maneira altamente colorida, luminosa... As luzes, a gigantesca tela de cinema que temos no palco, o limão. Mas isso tudo é como dizer um "foda-se" à chatice. Deixar o mundo vencer? Nós queremos vencer o mundo.
Folha - Parece que vocês vão mesmo para o Brasil. O fato de ser a primeiríssima vez faz com que seja especial?
Larry - Nós somos virgens. Acho que é como todos os virgens, uma vez que você perde... (risos). Estamos muito contentes de ir à América do Sul, principalmente ao Brasil. Sempre foi difícil logisticamente, muitos obstáculos...
Folha - Chegou-se a falar numa orientação beneficente para os shows brasileiros, com renda para causas sociais. É isso?
Bono - A nossa política continua a mesma de sempre. Esse show não tem cartas escondidas na manga. Estamos tentando fazer com que as músicas dêem o recado. Há muita dignidade no modo como funcionamos como banda, no fato de não termos nos comprometido para atingir o sucesso.
Somos da Irlanda, um país pequeno. Ainda moramos lá e nos orgulhamos disso. O fato de sermos quatro camaradas juntos desde os 16 anos... Isso é o que importa como mensagem.
Não queremos chegar ao seu país e dizer como viver a sua vida. Isso é respeito. É claro que teremos as presenças da Anistia Internacional e do Greenpeace. O resto fica por conta das pessoas. Não estaremos no Brasil para pregar, a não ser que seja para nós mesmos.
Folha - Ouvi dizer que o disco novo tem a ver com as coleções de discos de cada um. E parece que existe uma divisão de gostos e tendências dentro da banda: os mais conservadores, amantes de rock, e os mais experimentadores.
Larry - Parece existir essa idéia com o U2, de que ouvimos as mesmas músicas, vamos aos mesmos lugares... O que até já foi o caso. Mas ouvimos coisas diferentes.
Bono - Quando começamos éramos uma banda punk. E, quando você é punk, isso significa que você é uma banda antes de ser músico. Sempre brigamos para manter a cabeça para fora d'água. Se começarmos a nos repetir, nos aborreceremos. E, se nos aborrecermos, somos uma bosta.
Folha - Você já disse antes que celebridade não tem nada a ver com rock. Você acha que isso está claro para o público?
Bono - Acho que sim. Discos são caros, ingressos são caros. São as músicas que estabelecem conexão com as pessoas. Temos um limão de 30 metros, uma tela gigantesca, mas é por causa da música que as pessoas vão ao show. É a alma do grupo. Você pode dizer para as pessoas no Brasil que, se elas não encontrarem alma, diga-nos para dar o fora. Vocês vão ver nossa alma. Estamos brincando com o "showbusiness". Mas não somos "showbusiness".