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domingo, 3 de maio de 2020

Dave Fanning e suas revelações de quatro décadas sobre o U2 - 1° Parte


O site U2BR realizou uma entrevista com Dave Fanning, jornalista, DJ, crítico de cinema e radialista.
Devido à sua grande amizade com o U2 (foi ele quem lançou a banda nas rádios no início da carreira), foi concedida a Fanning por décadas a primeira exibição de qualquer um dos novos singles da banda antes de qualquer outra pessoa no mundo.
O bate papo faz parte de um especial do site sobre os 40 anos de lançamento do disco de estreia do U2, 'Boy'.

Como e quando você conheceu o U2? Qual foi sua primeira impressão sobre o som deles?

Eu conheci o U2 em Dublin, eu não me lembro do encontro, na verdade. Eu acho que eles ainda eram chamados de The Hype, estavam mudando o nome para U2. A minha primeira impressão sobre a sonoridade não foi nada de especial, particularmente, na época eu estava começando nas rádios piratas e recebia várias fitas demo de muitas pessoas, eles foram uma das bandas que me entregaram uma demo. Foi na época de lançamento do primeiro álbum do Undertones e do The Boomtown Rats, eu estava mais interessado nesse tipo de som, dando mais atenção ao Undertones, Rhythm and Blues, ir aos pubs que tocavam Boomtown Rats, que era parecido com o estilo dos Stones, daí então eu dava atenção ao som feito pelo U2, que era bom, muitas coisas eram boas e também diferentes do que o U2 fazia. Mas eles não me surpreenderam no começo, para ser bem sincero.

O que você via de diferente no U2 em relação às outras bandas da época? Você via potencial para se tornarem uma das grandes bandas?

Eles eram diferentes de outras bandas, mas isso não significava que eles eram bons, somente diferentes. Muitas bandas eram diferentes, eu poderia citar umas 10 bandas irlandesas desta época que eram diferentes e em estilos diferentes também, dizendo que eles tinham um pouco disso e daquilo, o U2 tinha simplesmente seu próprio estilo, não era algo que eu diria "Nossa, isso é tão diferente, fantástico", eu não sentia isso de nenhuma forma. Eu também não imaginava que eles seriam uma banda de sucesso baseando-se nas primeiras fitas demo. Esse não é o modo como vejo meu trabalho.

Como eram os shows da banda naquela época? Algum marcante para você até hoje?

Sim, tenho alguns momentos marcantes dos primeiros shows, que eram cheios de energia, mas, de novo, não era que a música deles me tocava como algumas outras bandas da época que tinham suas raízes no estilo que eu mais conhecia, como o Blues e o rock dos pubs, eles só eram diferentes, legal, mas, novamente, nada de especial. Eu estava em Londres no primeiro show que eles fizeram lá. O segundo show foi em um lugar chamado The Nashville Rooms e três bandas tocaram lá: Secret Affair, a principal, uma banda mod, havia por volta de duzentas pessoas no pub no final da noite. Não me lembro do nome da segunda banda (Back to Zero), a primeira banda era o U2 e havia, literalmente, eu sei que isso vai parecer muito estranho, mas o cara da mesa de som tinha um cachorro que estava com ele, então o cachorro assistiu ao show. Eu estava lá com dois amigos e Paul McGuinness ficou impressionado de me ver lá, e eu me lembro, não havia mais do que dez, quinze pessoas lá, e metade estava bebendo no balcão do pub. Era muito bom vê-los tocar em Londres, eu realmente não me lembro se foi um show bom, mas era ótimo para eles se apresentarem em Londres. Pouco depois disso, eles tocaram em um lugar em Dublin chamado Project Arts Centre que era um centro de apresentações multimídia, várias coisas ligadas a arte, 24 horas por dia. Você poderia comprar um ingresso para até seis horas ou para as 24 horas, algo parecido com isso. O tipo de coisa que o Pink Floyd fez em Londres doze anos antes, em 1966. Eu me lembro que fui ver o U2 porque eu escrevia para a Hot Press e, em uma sala a minha esquerda, estava passando um filme chamado 'Death Race 2000' e havia, no mínimo, 250 pessoas na sala, isso era as 3 da manhã, e a banda tocando em outra sala e havia cerca de dez a vinte pessoas assistindo, foi a primeira vez que eu pensei que o cara da guitarra tinha um algo mais, que ele era muito bom e diferente também.

O que você lembra sobre a época do lançamento de 'Boy'?

Para ser muito honesto, eu não me lembro muito do lançamento de 'Boy' da mesma forma que me lembro do lançamento do primeiro single porque ele significava muito para gente. Veja, eu entrei na Rádio National Pop em maio de 1979, há 41 anos atrás, e eu trabalhei em rádios piratas por dois anos e a banda que mais me entregou fitas demo foi o U2. Então, eles foram a primeira banda que trouxemos para a rádio para fazer uma sessão e quando eles decidiram lançar o primeiro single que foi um tempo depois de eles estarem na cena, não foi do dia para noite, eles esperaram. Eles tocaram cinco noites seguidas na semana, uma coisa muito estranha porque não fazíamos isso com as bandas na rádio, mas eu, Ian Wilson e Paul McGuinness decidimos por isso. Eles tocavam as três músicas e os ouvintes decidiriam qual música seria lado A ou B e a música para ser descartada. Os ouvintes decidiram por "Out Of Control" no lado A e "Stories For Boys" e "Boy/Girl" do lado B. Nós tivemos um papel enorme no primeiro single e eu me lembro do lançamento que foi no Wildmill Lane e havia algumas pessoas lá, não uma quantidade enorme. Eles costumavam oferecer lanches e vinhos não tão agradáveis para essas ocasiões. Mas estava tudo bem, tínhamos um single em vinil de 12 polegadas muito especial. Eles estavam dando duro no palco durante a turnê. Isto é o que me lembro mais do que o lançamento de 'Boy', que eu gostei muito, não tanto quanto algumas pessoas. E, novamente, muito diferente.

Em uma de suas entrevistas com a banda na época do 'The Joshua Tree', Bono, inusitadamente, pediu que todos ficassem sem roupa. Quais suas lembranças desse momento constrangedor?

Isso aconteceu 4 ou 5 dias antes de eles tocarem em um show enorme em Dublin, era um grande momento para a banda, voltando para tocar em casa depois de conquistar o mundo, eles tinham conquistado tudo com 'Under a Blood Red Sky', que foi o final da parte I do U2. 'Wide Awake in America' realmente acordou a todos. Então, eles tiveram a chance de ser a próxima banda mundial depois do Live Aid e tudo que eles tinham que fazer era a coisa certa. E eles fizeram tudo certo com 'The Joshua Tree', sem dúvidas. Com alguma frequência bandas têm a chance de dizer algo, esta é a sua chance e não dos outros de realmente conquistar o mundo. Muitas não aproveitam e muitas fazem algo diferente. Bruce Springsteen, depois de 'Born in the U.S.A.' fez um álbum completamente da sua própria cabeça, o que é admirável. Radiohead, depois do 'OK Computer' voltou para o seu lado experimental, mas o U2 agarrou essa chance com as duas mãos e eu me lembro que as primeiras 3 músicas do 'Joshua' foram número um nos EUA e o álbum vendeu "zilhões" de cópias e, claro, nessa época eles se sentiam muito bem e pediram para eu fazer uma entrevista com a banda para promover o álbum e foi um pouco constrangedor porque no dia eles estavam gravando o vídeo nos estúdios Ardmore em Wicklow para "With Or Without You" e eu fiquei no estúdio o dia inteiro, nós tínhamos uma sala reservada com 1 microfone para mim e mais quatro para a banda para falarmos sobre o álbum, e a primeira coisa que Bono perguntou foi se eu tinha ouvido o álbum, eu respondi, honestamente, que não. Ele disse que aquilo seria meio constrangedor, mas deveríamos cancelar a entrevista para que eu ouvisse o álbum. Arrumamos nossos equipamentos e voltamos para casa. Fizemos a entrevista algumas semanas depois e Bono ficou tão feliz, porque o 'Joshua' significava muito para ele e para a banda toda. E quando nós fizemos a entrevista ao vivo na rádio foi muito mais divertido, Bono disse que nós fazíamos entrevistas todos os anos e deveriam fazer algo diferente, sei que parece ridículo, mas ele propôs para tirarmos as roupas. O chefe da rádio entrou lá com o filho para ver essa banda famosa U2 e ficou parado em frente ao vidro que eu estou olhando agora com cinco caras pelados bebendo cerveja dentro do estúdio da rádio nacional, o filho dele salvou o dia dizendo que aquilo era fantástico. Ele ficou em choque, mas isso é uma das coisas muito engraçadas. O fato de estarmos todos pelados foi particularmente engraçado, acho que já falei o suficiente. Bono tinha razão, isso realmente mudou a entrevista.

Naquele famoso show de Ano-Novo no Point Depot, o qual a RTÉ transmitiu e você foi responsável por introduzir a banda, Bono proferiu aquela famosa frase "Nós estamos indo embora para sonhar tudo de novo". Você realmente achou que a banda acabaria ali?

Duas coisas sobre aquela noite: a primeira, eu tive que fazer a contagem para a passagem da década, 25, 24, 23, 22 e tinha que ficar olhando para um relógio específico, aquele show também era transmitido para outras partes do mundo, e ele tinha uma diferença de aproximadamente 10 segundos. Daí eu continuei 25, 24, 23, 8, 7, 6, 5, ninguém entendeu o que estava acontecendo. Eu tive que reconhecer isso, porque está gravado em algum lugar. Não posso negar que foi ridículo. O fim do show foi Bono dizendo, 'temos que parar e sonhar tudo de novo', eu nunca parei para pensar no que ele disse, as pessoas começaram a escrever "meu Deus, o U2 está se separando?", esse tipo de coisa. Na verdade foi isso mesmo que aconteceu, eles pararam e pensaram tudo de novo. E eles estavam sentindo muito no começo. Eles foram para Berlim e as coisas não estavam legais entre eles, se em algum momento eles passaram por uma situação difícil, foi essa. Eles tiveram que se reorganizar, daí veio o 'Achtung Baby', você pode me dizer se acabou dando tudo certo. Eles conquistaram os anos 90 e também 2000 e os últimos 10 anos. "Não é grande coisa, só temos que parar e sonhar tudo de novo", e acredite, foi exatamente o que fizeram. Eu nunca pensei que eles se separariam.

Em uma entrevista para o site ATU2, você disse que Bono o convida para ouvir o material em sua casa. Tem alguma história inusitada destas audições com ele?

Tudo é sempre curioso na casa dele escutando esse material. Uma coisa que Bono sempre faz é pedir para você sentar, ele é tão envolvido com a música que ele acaba ele mesmo cantando as músicas, ele se levanta e bate o pé no chão, como se estivesse no palco, ele entra no íntimo da canção, não só em termos da letra, mas também de apresentar isso em uma noite para 60, 70 mil pessoas. Ele usa todas as pessoas que estiverem nessa ocasião, não somente a mim. Isso não é muito legal para mim. Eu não sou muito bom para escutar pela primeira vez uma canção, eu preciso conviver com a situação por 3 ou 4 dias, como se fosse um papel de parede, para depois prestar atenção na música, letra. Ali (esposa) aparece de vez em quando para oferecer uma cerveja e o marido fica meio bravo. É engraçado, legal. Ele adora tocar essas coisas novas, eu adoro ouvir isso, coisa nova do U2 vindo para mim em primeira mão e muitas vezes já fiz isso, eu me lembro de uma vez que eu estava lá com o Adam para o álbum 'Pop', fiz brincadeiras com os músicos, Bono não gostou muito, mas Adam rolou no chão de tanto rir. Foi muito engraçado, eu sempre gosto de brincar com eles. Eu me lembro de uma situação sobre a música do Joey Ramone do 'Songs Of Innocence', o presidente da Island estava na minha frente e Bono chegou (batendo o pé no ritmo) "I woke up at the moment ...", e o presidente da gravadora disse "... é, isso é bom...". Foi o momento mais surreal de todas essas reuniões, foi extremamente divertido.
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