Em uma edição da revista Propaganda em 1989, foi perguntado à The Edge: "Existem gravações do U2 em bootlegs, disponíveis na Rússia?"
Ele respondeu: "Estamos muito grandes na cena underground na Rússia. Infelizmente, o que acontece é que um álbum chega e depois 10.000 fitas cassetes são feitas deste disco e a qualidade fica terrível. A versão ao vivo de "Pride (In the Name of Love)" que está no disco do Greenpeace, é o primeiro lançamento oficial de uma música do U2 na Rússia."
O disco que Edge se refere, é a coletânea beneficente 'Rainbow Warriors', lançada em 1989.
Numa tentativa de agradar os soldados e oferecer um serviço social que amenizasse a separação das famílias durante a 2ª Guerra Mundial, os americanos colocaram máquinas para os soldados gravarem discos, compactos de 78rpm, os V Discs.
Eram umas cabines automáticas, onde se colocava uma moeda ou ficha, tinha um microfone onde a pessoa podia gravar uma mensagem de voz para seus parentes em um registro flexível; eram encontradas em salões de fotografia e a pessoa gravava uma mensagem. Essa máquina riscava os sulcos e o disco saia prontinho pra ser tocado em qualquer vitrola. na velocidade de 78 rpms.
A máquina para fazer estas gravações foi originalmente concebida para fazer "cartões postais de som" que eram uns disquinhos flexíveis, para economizar material, e leve, para serem enviados pelo correio.
Depois da Grande Guerra, muitas dessas máquinas ficaram na Europa e foram levadas para a Rússia.
Nos anos 50 eles queriam discos de jazz e quando conseguiam um disco, gravavam o som em um desses disquinhos.
No início de 1950, o rock-n-roll americano começou a se infiltrar na culturalmente isolada União Soviética e seus países satélites e, claro, foi prontamente proibido. Mas os russos também queriam também ouvir Chuck Berry e Elvis, depois seguidos pelos Beatles e Stones.
Devido à falta de gravações da música ocidental disponíveis na URSS, as pessoas tinham de contar com discos contrabandeados através da Europa Oriental, onde o controle sobre esse material era menos rigoroso. Ou por marinheiros suecos e finlandeses chegando aos portos de Riga e Leningrado. Tais restrições significava que o número de gravações permaneceria pequena e preciosa.
Mesmo assim essa música nova encontrou o seu caminho para as ruas através de um pouco de ingenuidade combinada que estava disponível no momento.
Fabricantes de gravações underground, que eram conhecidas como "roentgenizdat", usavam gravadores amadores como o Voice-O-Graph, de cabine, que era útil e com baixo custo, para gravar sulcos em discos virgens de vinil. Uns caras até esconderam algumas máquinas sem as cabines. Mas aí acabou o material. Até que um residente de medicina, um dia, tentou usar uma chapa usada de Raio-X e deu certo, isso foi uma revolução na pirataria por lá.
Os raios-x deformavam facilmente, não eram tão bons como um disco real, mas eles gravavam um sulco bom o suficiente para valer a pena o dinheiro um dia de almoço e o risco de prisão só para experimentar um pouco da música dos EUA.
Estes álbuns foram vendidos como bootlegs, às escondidas, nos mercados e através de amigos de um amigo, em quantidades inumeráveis. O processo acabou morrendo com a chegada dos gravadores de fita magnética (K7), mas esses álbuns ao vivo continuam nas mãos de colecionadores particulares. Valem fortunas.
Esse método Raio X tornou-se tão difundido na Hungria, que a Rádio Nacional Húngara fez gravações de som em chapas como parte de um projeto.
Um compacto, que só era gravado de um lado, custava cerca de 1,5 rublo cada no mercado negro, mas durava apenas alguns meses, ao contrário dos 5 rublos para um compacto de dois lados. O custo do registro era o mesmo de uma garrafinha de vodka de 250ml, a mesma quantia do "dinheiro do almoço", dado aos maridos por suas esposas econômicas (na Rússia, as mulheres geralmente controlavam o orçamento familiar). Assim, o compacto poderia ser comprado pulando um almoço ou deixando de comprar uma bebida por dia.
Cerca de 3.000.000 desses registros altamente ilegais foram distribuídos clandestinamente na URSS até 1958 (sem o nome do artista ou o título da canção do disco, apenas um número riscado) antes da KGB perceber o que eram.
No final dos anos 50, o governo já sabia dos roentgenizdats, e tornou tudo ilegal em 1958. Funcionários de segurança tomaram medidas para acabar com o maior cartel em 1959, enviando os líderes para a prisão, a partir de uma organização pela Komsomol de "patrulhas música" que mais tarde se comprometeu a reduzir a atividade ilegal de música em todo o país. Mesmo assim continuaram a ser produzidos na década de 60.
Jovens em Leningrado, foram presos por fazê-los, e enviados para o Gulag por sete anos. É preciso entender que a música ocidental era considerada uma grande ameaça para a KGB. O Rock foi proibido na URSS, banido de todos os meios de comunicação e imprensa até 1986. O Rock era proibido até de ser pronunciado, assim com cantar qualquer canção em ingles.
O que acabou com essa engenhosa indústria, não foi o governo sovietico e sua opressão, mas o surgimento de fitas magnéticas, os gravadores de rôlo. Já nos anos 70 as fitas cassete chegaram e se tornaram o maior meio de compartilhação daquele momento.
Agradecimento: Sérgio Avellar - RockPuro.net