
Pobre Coldplay. Quando eles acham que deram um grande salto e conseguiram disfarçar a ambição de ser o U2 do século 21 (”Viva La Vida” não era mesmo de todo mau – falo de coração!), vem o próprio U2 e lança um novo álbum para mostrar a todos que o U2 do século 21 é… o próprio U2!
Sim! – caso você não tenha sido atingido pelo tsunami de mídia que acompanhou o lançamento deste novo álbum, cabe a mim anunciar que eles estão de volta. E como! “No Line On The Horizon”, que acabo de comprar online, em MP3 (pois é… até eu), é exatamente o tipo de disco do U2 que eu gosto: diferente, experimental, grandioso e discreto ao mesmo tempo, e (o mais importante) sem medo de correr riscos. O U2, por exemplo, de “Achtung Baby” – o álbum que me converteu num fã da banda.
Devotos do U2, não fiquem loucos comigo. Como já disse ao próprio Bono (na segunda vez em que o entrevistei), eu era apenas um admirador distante da banda durante todos os anos 80. Era impossível negar então a força de alguns de suas canções – “I Will Follow”, “Pride (in the name of love)”, e, claro, “Sunday Bloody Sunday”, para citar apenas três clássicos. Mas desde o início da carreira deles até 1991, o U2 me pareceu apenas uma banda competente – boa para oferecer aquelas faixas catárticas que funcionam num show de estádio, com um cantor extremamente carismático e sério, mas que ficava devendo um pouquinho num quesito que me é muito caro, a “experimentação”.
“The Joshua tree”, para fazer justiça, já havia tinha me chamado atenção por querer procurar um caminho diferente para a banda – flertando, sobretudo, com o a música americana. Como não reconhecer o potencial “romântico-messiânico” de uma música como “With or Without You”, ou a perfeição exasperada de “Where The Streets Have No Name”? Mas ainda não era o suficiente para mim… Só me convenci mesmo quando vivi a seguinte cena: reunida diante de um monitor de TV, a quase totalidade das pessoas que trabalhavam na MTV comigo assistia a um clip recém-chegado de uma faixa totalmente estranha chamada “The Fly”.

Acho que ninguém vai discordar que qualquer elogio para “Achtung Baby” está aquém do valor real daquele álbum. O disco é uma unanimidade – indiscutível (ou você vai me dizer que “One” é um “trabalho menor” da banda?). Mas o que dizer dos trabalhos seguintes, “Zooropa” e, principalmente, “Pop”? Já torceu o nariz, aposto… Pois eu adorei esses também. E o segundo – que geralmente é execrado -, mais ainda que o primeiro. A cada um desses trabalhos, a impressão que eu tinha era que eu encontrava um U2 ainda mais enlouquecido, testando limites musicais – para não falar dos limites da paciência de seus admiradores. E quanto mais eles me provocavam, mais eu aplaudia.

Que foi, diga-se, exatamente o que eles fizeram alguns anos depois com “All That You Can't Leave Behind”. De fato, os fãs se acalmaram, a crítica respirou aliviada, e o disco, como todos sabem, foi um sucesso. Este humilde admirador, porém, ficou um pouco decepcionado com a guinada, digamos, conservadora da banda. Veio então “How To Dismantle An Atomic Bomb”, e, com exceção da delirante “Vertigo”, eu aplaudi o esforço, mas não reconheci ali o U2 das viradas mirabolantes. Mas eis que surge agora “No Line On The Horizon”, e meu peito se enche de alegria.
Adaptando os primeiros versos da própria faixa-título (que, aliás, abre o álbum), é como se eu estivesse diante de uma banda “que é como o mar, eu olho ela mudar todo o dia para mim”. Escutei o disco hoje inúmeras vezes – e quem disse que estou enjoado? Para não dizer que me rendi de primeira, confesso que me assustei um pouco com a grandiosidade da “comissão de frente”: tanto “No Line On The Horizon”, quanto “Magnificent” são quase U2 “de cartilha”, com Bono indo do sussurro ao grito na levada sempre impressionante do guitarrista The Edge (o breve solo em “Magnificent” é especialmente sedutor). Mas aí vem “Moment Of Surrender” – e a diversão realmente começa. Com mais de sete minutos (estou apostando que é a faixa de estúdio mais longa deles, será que alguém pode me confirmar?), ela vai te convencendo aos poucos, arrastando-se no seu ouvido até você chegar ao ponto que a própria música sugere no título: um momento de entrega (total).

“FEZ: Being Born” é daquelas músicas que não têm registro: um “mini épico”, que faz você ficar intrigado logo de cara – e vai requisitar um certo esforço para ser decifrado. “White Snow”, que vem logo depois, é uma belíssima balada que deve ser um dos pontos altos de uma futura turnê. A faixa seguinte é “Breathe” e traz Bono exorcizando o Mick Jagger que existe dentro dele. E tudo termina numa misteriosa atmosfera evocada por “Cedars of Lebanon”, que fica entre o cabaré e o “chill out” – e que te desafia a ouvir tudo de novo.
Desde de 1997 eu não ouvia um U2 tão atrevido – e é por isso que estou celebrando tanto esse “retorno” à forma (pelo menos à forma que eu aprendi a gostar lá nos idos dos anos 90). E, pelo visto, não sou só eu. Como disse Jon Pareles, numa entrevista recente com a banda para o “The New York Times”, apesar de tudo que está acontecendo na indústria fonográfica, e da “idéia de um rock ‘mainstream’ parecer mais e mais uma miragem, o U2, descaradamente, ainda quer lançar um mega sucesso de vendas” – e está conseguindo: entrou direto na posição de número um na parada americana (e, posso imaginar, em vários outros lugares do mundo também).
Será que todos os fãs demonstrarão a mesma receptividade que eu? E você? Já ouviu? Concorda, pelo menos em parte, com a minha opinião – ou não? Eu mesmo estou interessado em saber o que as pessoas vão achar de “No line on the horizon”. E só o fato de uma banda que existe há mais de trinta anos despertar esse tipo de curiosidade já é mais uma prova de que, pelo menos no pop, ninguém é tão poderoso quanto eles…
Zeca Camargo é um apresentador e jornalista brasileiro. Editor-chefe e apresentador do Fantástico, já esteve no comando do primeiro reality show da Rede Globo, No Limite.
Grande fã do U2, já entrevistou a banda em algumas ocasiões. Tem um livro publicado de bastidores de entrevistas com bandas, chamado 'De A-HA à U2'.