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terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Mais Forte Que O Medo: O Retorno do U2 à Paris


Paris, 21h24. A Arena de Bercy está completamente cheia. No site oficial diz que a sua capacidade pode chegar à 20 mil espectadores. Não foi muito menos que isso que estavam lá estavam para assistir ao retorno do U2 à capital francesa.
Na maior sala de espetáculos de Paris ouve-se então uma explosão ensurdecedora. Nada de mais, era só o momento em que a apresentação do U2 passava da parte da Inocência, com que começa, para o capítulo da Experiência, com que termina. Um estrondo que porém não passou despercebido a todos os que ali estavam. Afinal, o U2 voltava ali porque 23 dias antes morreram 132 "parisienses" durante os atentados de 13 de novembro. 89 foram assassinados por terroristas numa sala de concertos como aquela que apesar dos seus 151 anos de existência, irá ficar como o lugar da maior carnificina da história da música rock.
O U2 cancelou então os dois shows que iriam acontecer nos dias imediatos aos atentados de Paris. E voltaram a agendá-los para dias 6 e 7 de Dezembro. A "soirée" estava, logo por aí, marcada pelos trágicos acontecimentos de 13 de novembro. Mas havia mais. A explosão aterrorizadora que se ouve a meio do concerto do U2 marca o início da interpretação de uma das suas mais recentes canções, "Raised By Wolves", incluída no álbum 'Songs Of Innocence'. Na sua letra, se pode ler um relato poético de um mar de sangue que inclui a, agora ainda mais conhecida, expressão 'stronger than fear'. Fala da "sorte" de Bono não estar no lugar errado e na hora errada e de como poderia ser qualquer outra pessoa. Como em Paris. Afinal podia ser qualquer um de nós.
O show começou com "The Miracle (Of Joey Ramone)". O U2 mostrou que queria proporcionar uma noite especial, sobretudo pela tensão no ar. O baixista Adam Clayton tinha dito, um dia antes, num vídeo colocado no Facebook, que a noite poderia ser mágica. Mas era o guitarrista The Edge quem se mostrava mais eufórico. Em especial quando o U2 tocou duas canções do início da sua carreira, "Out Of Control", o primeiro single, e "I Will Follow", do primeiro álbum, 'Boy'.
Nessa altura, a plateia já estava inundada por uma camiseta, edição especial Paris 2015, com o garoto da capa do primeiro e terceiro álbum do U2, segurando uma bandeira francesa. Sobre a camiseta escreveram "Nous n'avons pas peur" em letras vermelhas. Foi a parte do concerto com maior entrega e, diria, alegria, até chegarmos em "Raised by Wolves". Imediatamente antes, a versão de "Sunday Bloody Sunday", um dos maiores hinos do U2, deixou toda a sua explosão, para ser tocada em ritmo de marcha fúnebre. Bono estava no ponto para iniciar um autêntico comício. "No more war, no more" gritou.
Numa entrevista publicada em 2 de dezembro no New York Times, Bono explica que "Raised By Wolves" tem uma consequência: "Na Irlanda já sabemos que não nos podemos tornar um mostro para aniquilar outro monstro". E acrescentou: "o ISIS e estes cultos extremistas praticam o culto da morte. Nós somos o culto da vida. O rock'n'roll é uma força da vida e é alegria enquanto gesto desafiante".
Se isto explicava o por que do U2 ser a primeira banda a voltar para Paris depois dos atentados, também implicava o que sucedeu na primeira canção do encore, "City Of Blinding Lights". Foi o tempo em que Bono gritou "Vive la France", e fez a apologia da nação francesa: "Liberté, Egalité, Fraternité". Mas foi também o episódio que gerou maior comoção quando no telão surgiram os nomes de todos os que morreram nos atentados de 13 de novembro por cima das três cores da bandeira. Como é costume nesta turnê, o U2 adiciona às suas próprias canções, letras e trechos de músicas de outros. A escolha de "Ne Me Quittes Pas", popularizada por Jacques Brel, teve aqui um significado óbvio mas mesmo assim devastador.

Se passaram dois anos desde que morreu Nelson Mandela. E Bono recuperou para o set a canção "Ordinary Love", dedicada a este fazedor de paz, de uma "moralidade global" nascido na África do Sul. Ou quando em modo claramente evangélico profetizou "nós não vos podemos salvar, mas a nossa oração desta noite vai vos ser útil". Aqui vale a pena voltar à entrevista com Fareed Zakariah, transmitida na CNN, na véspera do retorno à Paris. Aquela em que Bono revela a letra de uma nova canção inspirada nos atentados de Paris. Quando um dos politólogos mais influentes do mundo lhe pergunta algo relacionado com o início da carreira do U2, Bono responde "nós só queríamos ser úteis". "Nós só queríamos que a vida real das pessoas estivesse nas nossas canções". Útil é o significado que Bono encontrou para caridade. Afinal a virtude teologal mais querida do cristianismo, "o vínculo da perfeição".
Em "Mysterious Ways", na segunda parte do concerto, Bono já tinha perdido a inocência. Mas ganhou no humor: "Mirror, mirrorball / oh Bono, you're so blonde and so tall" disse ele, referindo-se à sua nova cor de cabelo e à sua lendária estatura.
Em "Pride (In The Name Of Love)", dedicada a Martin Luther King, respondia ao coro com "cantem pelos fazedores de paz na Síria; cantem pelo fazedores de paz na sua vizinhança!" Para continuar, "eu sei bem o que quero, um lugar a que chamo lar, um lugar seguro onde se acredita na liberdade, igualdade, fraternidade. Como aqui agora mesmo". O público todo aplaudia.
Também ficaram dúvidas quando, em "Zooropa", o vocalista do U2 perguntou "querem uma Europa aberta ou uma Europa fechada à misericórdia e à compaixão?". Palavras de ordem não faltaram. Nem vídeos, como um dedicado a provar que a terra é redonda, com a voz off de Stephen Hawking, o físico. Acaba com a hashtag #refugeeswelcome.
O primeiro no retorno não foi perfeito. Mas esteve perto, não fosse o nervosismo de todos: público e banda incluída. Se foi eficaz como ação de protesto contra os atentados do Daesh, é difícil dizer. Paris, ou o público que lá esteve gostou muito e saiu saciado. O U2 lambeu as feridas à capital da França.

Do site Blitz, de Portugal

O diretor da BLITZ e diretor-adjunto do Expresso, Miguel Cadete, foram à Paris assistir ao show do U2, que tinha sido adiado na sequência dos atentados terroristas em Paris.
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