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domingo, 26 de setembro de 2010

Bono e Ali, Ajibar-Etiópia, 1986 - Arquivo 'Bono 50 Anos'

Bono está convencido que jamais fará uma letra melhor do que a de "Where The Streets Have No Name", escrita durante a viagem à Etiópia, viagem esta que Bono diz que mudou a sua vida. Ele afirmou que se sentiu mais perto de Deus depois disto, que aconteceu em 1986 após o Live Aid. Ele e a sua mulher, Ali, testemunharam a devastação causada pela pobreza nesta nação africana.
Bono recorda: " Víviamos numa pequena tenda. O campo estava rodeado por arame farpado. Acordávamos de manhã e víamos milhares de africanos, que tinham caminhado toda a noite, com o mínimo que tinham, para implorar para nós por comida e pela sua vida. Observávamos o desespero do dia a dia. As pessoas deixavam os seus filhos, uns sobreviveriam, outros não".
E a experiência inspirou tanto Bono que ele se sentiu compelido à escrever em todo o lugar em que conseguisse escrever. Bono acrescenta: "Escrevi tudo aquilo em papéis da Air India, sentado numa pequena tenda, numa cidade chamada Ajibar, na zona Norte da Etiópia".

Bono: "Eu recebi uma chamada do Steven Reynolds, ele era de um grupo chamado World Vision. Ele disse: ‘Você gostaria de ver em primeira mão o que está acontecendo na Etiópia?’
Eu achei que seria alguma coisa de Relações Públicas, mas ele disse: ‘Não, se você quiser ver, eu dou um jeito, só isso.’ Ele não pediu nada em troca. Aquilo me atraiu, poder colocar a mão na massa, trabalhar como meros voluntários. A Ali concordou, então partimos para uma aventura que mudaria as nossas vidas.
Nós fomos colocados no comando de um orfanato na Etiópia, em uma estação de alimentos em Ajibar. Eu era conhecido como a garota de barba, acho que porque eu tinha barba e usava brinco.
Depois de um tempo, parecia para a Ali e para mim que havia uma sensação de espera muito grande no acampamento, não só pelas crianças, mas pelos adultos. Então nós desenvolvemos um programa educacional repetitivo com várias pequenas encenações e músicas para difundir informações sobre higiene, saúde e outras coisas, afetando os locais de uma forma interessante. Um era chamado de 'A Canção do Parto', era sobre dar a luz e nós trabalhamos nela com uma enfermeira. Era um programa que se repetia a cada três semanas. Nós ensinávamos a música às crianças e elas ficavam andando pelo acampamento cantando a música e educavam seus pais em algumas coisas. Eu aprendi um pouco a língua deles e escrevi músicas bem simples. Por exemplo, as pessoas estavam comendo as sementes que eram trazidas para serem usadas na próxima plantação. Então as crianças cantavam 'Nós não podemos comer as sementes porque elas são para o próximo ano / Se nós plantarmos elas de modo certo, não haverão mais lágrimas'. Não era poético, mas passava a mensagem. Eu ainda me lembro da melodia. Eu ouvi falar que algumas das idéias sobreviveram depois que nós saímos de lá. Espero que seja verdade.
É uma visão muito chocante, acordar de manhã e olhar no horizonte, com a cerração da manhã ainda muito forte, e ver, milhares e milhares de pessoas vestindo trapos e que haviam andado a noite inteira para chegar à nossa estação de alimentos, apenas para esperar do lado de fora, sendo proibidas de entrar, e apenas assistir outros etíopes comendo sua comida, ainda assim sem maldade alguma. Eu achava que eles deveriam estar enfurecidos, não com os outros etíopes, mas com o mundo. Eles deveriam ter ficado com raiva, no entanto, para mim, eles nunca pareciam estar. Eu fiquei muito tocado por eles. Em certo ponto, um homem veio até mim, com seu filho e disse que eu deveria levar seu filho comigo. Eu disse que não podia. Ele perguntou aonde eu vivia e eu disse que vivia na Irlanda, perto do Reino Unido. Ele disse, ‘Você tem condições de levar esse menino. Você pode cuidar dele’. ‘Eu não posso’, eu disse, ‘Eu não posso levar ele comigo’. Ele me disse, ‘Se você não o levar, certamente que ele vai morrer’. E eu não levei.
Eu não sei se ele sobreviveu ou não; mas de alguma forma, eu sempre levei aquele menino comigo, e se a raiva cresce dentro de mim, e isso acontece às vezes, é geralmente nele que estou pensando. Eu me lembro de uma criança sendo colocada em minhas mãos, não maior que algumas polegadas e branca como a neve. Má nutrição em um recém nascido deixa a pele completamente branca. Eu estava com esse bebê muito pequeno em minhas mãos e eu me lembro de fazer uma oração e pensar, ‘Bem, aqui está, só isso’. Eu achei que não havia restado nenhuma esperança, mas a enfermeira disse, ‘Não, não, essa criança pode conseguir’. Eu ouvi anos depois que ela realmente conseguiu, o que é emocionante. É algo para se pensar, quando você está assistindo TV e alguém vem lhe pedir dinheiro e você pensa: ‘Oh, eu não posso fazer tudo’. Claro que você não pode, mas é aí que a sua contribuição faz a diferença. Está muito além do ‘valor do dinheiro’.
O que resultou em mim, disso tudo, foi que havia um lado estruturado dessa pobreza. Houve uma guerra civil na Etiópia bem como uma calamidade natural que causaram essa crise particular, mas a história de fome e pobreza na África não é sempre guerra e desastres naturais. Muito disso é corrupção, que eu vim a descobrir depois, e não somente deles, mas da nossa relação deturpada com a África – acordos de trocas e as dívidas antigas que nós continuamos forçando-os a pagá-las. Minha preocupação com tudo isso começou nessa viagem.
Eu tinha levado uma câmera e queria gravar tudo o que estava vendo, mas eu não podia fotografar pessoas no estado em que elas estavam, isto não parecia certo. Então, nos últimos dias, eu comecei a fotografar as pessoas que estavam bem, aquelas que tinham se recuperado. Foi muito agradável olhar para os rostos bastante reais dos etíopes em uma perspectiva diferente.
Dizem que a Etiópia foi o Jardim do Éden, e certamente você pode ver a Rainha de Sabá naqueles rostos. Eu publiquei isto em um livro chamado String of Pearls.
Quando eu cheguei da África, o material para o The Joshua Tree estava em desenvolvimento, os germes emocionais, um tipo de aproximação lírica, grandes idéias e grandes questões".
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