Foi o dia em que o U2 levou a turnê PopMart à Sarajevo. Foi a primeira banda a apresentar um grande show na Bósnia depois da guerra que à tornou independente da Iugoslávia.
A banda fez um show completo da PopMart, realizando um desejo de Bono primeiramente expressado em 1993 durante a turnê Zooropa na Europa, quando o U2 transmitiu ao vivo, via satélite, durante alguns shows, nas telas de televisão da ZooTV, o depoimento de pessoas que moravam em Sarajevo, durante a pior fase do conflito na Bósnia. Além disso, na mesma época, o U2 participou de um protesto para fechar a usina nuclear de Sellafield, na Inglaterra.
O show do U2 foi um momento emocionante e esperado, um marco histórico, em uma cidade recém saída de Guerra, com o estádio lotado de pessoas de todas as regiões, unindo até mesmo etnias rivais na guerra, para ver a banda se apresentar. A voz de Bono estava sofrida durante o show todo, mas a multidão ansiosamente cantava o que ele mesmo não conseguia. Edge pela primeira vez tocou uma versão acústica solo de "Sunday Bloody Sunday" no palco B, iniciando ali uma mudança no setlist que iria continuar pelo resto da turnê. Durante o bis, a banda tocou pela primeira vez com a banda completa e com a participação de Brian Eno, "Miss Sarajevo"; música que eles escreveram para o projeto Passengers.
Soldados da força de paz NATO internacional foram ao show, que foi transmitido ao vivo para o mundo. O evento acumulou grande publicidade para o U2, a PopMart Tour, e as pessoas de Sarajevo que estavam tentando reconstruir sua cidade e suas vidas. O show do U2 arrecadou apenas $13.500 para as pessoas de Bósnia, e o U2 explicou que o show não foi projetado para arrecadar dinheiro.
Integrantes da banda comentaram sobre o show:
Edge: Assim como General MacArthur disse para os filipinos, nós dissemos para nossos amigos em Sarajevo ‘nós retornaremos!’, então, quando chegou a hora de planejar a turnê Popmart, nós insistimos em tocar lá. Na verdade, a guerra estava apenas terminando e nós estávamos pondo os planos em prática. Ainda havia muita tensão étnica, embora ela estivesse começando a se estabilizar. Então agendamos um show e sentimos o impacto financeiro de ir até lá. Isto significava transportar todo o equipamento por uma Bósnia destruída pela guerra. A equipe, particularmente os motoristas dos caminhões e dos ônibus, fizeram um ato de heroísmo ao levar o equipamento até o estádio. Os primeiros caminhões que chegaram em Sarajevo foram aplaudidos. Era quase que uma libertação simbólica para muitas daquelas pessoas em Sarajevo, porque este era o primeiro sinal real de que a normalidade tinha retornado.
Larry: Havia centenas de soldados da OTAN, responsáveis por manter a paz, espalhados por todos os lugares. O estádio estava velho e mal conservado. Nós fomos levados até um abrigo subterrâneo muito escuro, feito de concreto, que agora era nosso camarim. A atmosfera era estranha. Ficamos sabendo que o estádio tinha sido usado como necrotério durante o cerco militar. Havia cemitérios de cada lado do estádio, inclusive um enorme cemitério de crianças. Conforme o dia passava, nós ouvíamos histórias sobre o lugar que se tornavam mais e mais horripilantes. Chegou a hora do show e nós subimos no palco. Havia centenas de soldados do lado esquerdo do estádio. O restante da multidão consistia de croatas e sérvios que tinham viajado para o show em trens que não funcionavam desde o começo da guerra. As pessoas de toda aquela região viajaram para assistir o show. Aquelas pessoas estavam matando umas as outras um ano antes. Ali estavam todas juntas em um show do U2. Que coisa incrível.
Edge: Infelizmente, na manhã do concerto, Bono acordou sem voz. Eu não sei se a causa foi a laringite ou o estresse dos meses anteriores de turnê. Um cancelamento estava fora de questão, então o show teve que continuar. E eu devo confessar que realmente não importava que nosso líder vocalista estivesse indisposto, porque cada membro do nosso público parecia estar curtindo todas as músicas. Houve um coro em massa durante todo o concerto.
Larry: A multidão teve que cantar para o Bono, por isso a noite foi muito emocionante. No final do show o público não foi embora. Todos se viraram de frente para os pacificadores e começaram a aplaudir. Foi um momento que eu nunca vou esquecer.
Bono: No dia seguinte, houve um editorial no jornal que dizia ‘Hoje foi o dia no qual o cerco militar em Sarajevo acabou’. Mesmo agora, as pessoas ainda consideram que a guerra durou do fim das Olimpíadas de Inverno até o show do U2. A coisa mais incrível foi que com todo o desafio que era levar aquele gigante espetáculo pop para uma cidade sitiada, nenhuma pessoa com quem eu falei mencionou os enormes telões ou a nave espacial espelhada. Eu não estou certo de que nós éramos uma grande parte do show como pensamos que fôssemos. Eu acho que o show era da cidade de Sarajevo. E no final, eles não estavam apenas nos aplaudindo ou aplaudindo os soldados pacificadores da ONU, eles estavam aplaudindo eles mesmos por terem superado tudo aquilo.
Larry: Nós voltamos para nosso hotel, o Holiday Inn, onde os repórteres se hospedaram durante o cerco. O hotel tinha sido bombardeado e, por isso, parte dele estava faltando. Eu fiquei em um quarto com marcas de metralhadoras embutidas nas paredes e pedaços de chão faltando. Nada teria me preparado para aquilo.
Edge: Nós ficamos lá por um dia ou algo parecido, vagando pela cidade, vendo a devastação. Estar no local que tínhamos visto tantas vezes na TV realmente trouxe um sentimento diferente dos horrores que ocorreram durante o cerco. Houve um sentimento real de que um outro genocídio potencial tinha sido evitado por pouco, embora um pouco tarde e devido à várias casualidades. Mas Sarajevo ainda estava de pé.
Larry: Eu saí para uma caminhada com o Embaixador da Bósnia para as Nações Unidas, Mohammed Sacirbey, que nos ajudou a organizar o show. Ele me levou para todas aquelas áreas sobre as quais eu tinha lido, onde pessoas faziam filas de manhã cedo para um pedaço de pão, onde eram surpreendidas por francos atiradores das montanhas, onde granadas eram disparadas para atingir multidões de pessoas. Em cada trilha onde houvesse crateras e marcas deixadas por explosivos, o preenchimento era feito com concreto vermelho, que representava toda a morte e destruição que aquelas pessoas tinham sofrido. Teve um incrível impacto sobre mim, ser confrontado tão graficamente com a crueldade do homem com seus semelhantes e ao mesmo tempo contemplar as qualidades do heroísmo comum e do sentimento de comunidade que era necessário para se sobreviver.
Bono: Eu estive poucas vezes em Sarajevo. Eu fui feito Cidadão da Bósnia pelo meu apoio à causa deles durante a guerra, o que foi a maior honra que eu já recebi. Eu fui apresentado ao Presidente Izetbegovic, que morava em um quarto alugado muito modesto no topo de um prédio. Havia uma bicicleta do lado de fora. Ele era um erudito que tinha lido alguns livros importantes. Um homem religioso sem ser fanático. Nós tiramos nossos sapatos, e ele e sua esposa nos conduziram para dentro da casa. Eles fizeram um presente para Ali, um bonito cachecol de seda com pequenos fios de ouro, e nos serviram chá. Foi um momento muito especial. Ele falou sobre o cerco, sobre os atos diários de heroísmo e sobre a crueldade com os alvos escolhidos pelo exército invasor. Sarajevo era o lar de uma das maiores bibliotecas do mundo civilizado, habitando vários manuscritos islâmicos, cristãos e judeus de preço inestimável. Ele nos contou, com lágrimas nos olhos, que dias depois havia palavras bombardeadas caindo do céu, caindo nas cabeças das pessoas, caindo em suas mãos, caindo nos carrinhos de bebês que as mães empurravam pelas ruas, caindo nas xícaras de chá das pessoas, caindo na frente delas enquanto andavam pelas ruas, palavras chovendo dias depois, páginas raras e pedaços de pergaminho ainda não petrificados. Era uma história muito comovente. Eu visitei as ruínas mais tarde.
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