Site União Brasileira de Compositores - 2023
No começo do ano, era quase impossível não esbarrar com o U2 em Londres. Dos tradicionais pôsteres publicitários nas estações de metrô aos modernos paineis de LED de Piccadilly, lá estava uma foto do grupo irlandês e a informação de que seu novo álbum, 'Songs Of Surrender', chegaria em março.
O que os anúncios não contavam era que este trabalho, o 15º da carreira do grupo, era só de regravações… de músicas do próprio U2. O quarteto passou meses em estúdio recriando nada menos que 40 canções de seu repertório, dos clássicos "With Or Without You", "Pride" e "Beautiful Day", a faixas menos conhecidas como "Peace On Earth". Eles não só mexeram nos arranjos originais, mas também editaram algumas letras.
O projeto do U2 é só o retrato mais extravagante de uma nova onda da indústria musical: a de artistas entrarem em estúdio não para produzir material novo, mas sim para regravarem suas próprias músicas. Somente em 2023, nomes do naipe de Taylor Swift, Roger Waters e Fito Paez lançaram discos que traziam velhas canções em nova roupagem.
"Eu acho que por trás dessas declarações variadas dos artistas justificando regravações de seu próprio material tem muito a intenção de soltar canções que já estão na memória afetiva dos ouvintes, o que garante repercussão boa e imediata", diz o jornalista e crítico musical Thales de Menezes, autor da newsletter Torpedo e colaborador da Folha de S. Paulo e do UOL.
Há também um componente financeiro nesta estratégia, diz o produtor musical Rick Bonadio:
"Isso sempre existiu nos formatos ao vivo e acústico. Hoje, creio que, com as negociações de catálogo, os artistas acabam querendo aproveitar e ser donos de seus fonogramas. Aí, regravam as canções como artistas independentes ou tendo um novo acordo de royalties para receberem mais", explica.
É o que fez Taylor Swift anunciar, em 2019, que iria regravar integralmente os seus seis primeiros álbuns. Após o fim do seu contrato com a gravadora Big Machine Records, a pop star reivindicou o direito sobre as masters destes discos, mas não chegou a um acordo com seus ex-empresários e sua ex-gravadora. Resolveu refazer disco por disco, música por música, e ainda adicionou faixas inéditas a cada álbum recriado.
A empreitada se mostrou um sucesso absoluto de público e marketing, com as músicas "novas" superando as "antigas" em número de plays e em execução radiofônica. Sempre sob o subtítulo de "Taylor's Version".
É claro que as gravadoras receiam que seus artistas mais populares saiam fazendo o mesmo. De acordo com o 'The Wall Street Journal', a Universal Music Group, dona da Republic Records, atual gravadora de Taylor Swift, planeja mudar o seu contrato padrão para novos artistas, aumentando o período de “exclusividade” que a companhia possui sob algumas obras. Estes novos acordos, por exemplo, teriam cláusulas proibindo os artistas de regravarem suas músicas por até 7 anos após o seu lançamento.
No Brasil, motivo parecido ao de Swift tem levado Nando Reis a revisitar seus sucessos em estúdio, quase sempre trazendo uma participação especial. Algumas dessas recriações estão no seu disco 'Nando Hits'.
"Eu me tornei um artista independente. Gosto de fazer essas gravações, são todos de fonograma de minha propriedade. É uma razão bastante significativa, já que é uma coisa estranha as minhas obras serem propriedade eterna de outra pessoa que não eu", explica o artista.
Mas regravar a própria obra não é só negócio. Nando diz que há um componente artístico relevante nessas versões:
"O fato de ter um outro intérprete já dá uma cara completamente diferente para a música. São versões distintas e não concorrem uma com a outra".
A onda das regravações tem alcançado também o mercado independente brasileiro. A cantora, compositora e produtora Luiza Brina soma apenas 12 anos de carreira, mas já tem um álbum regravado em sua discografia. Seu elogiado disco de estreia, 'A Toada Vem É Pelo Vento', lançado em 2011, ganhou uma nova versão em 2022, pelo selo Dobra Discos. Além de recriar as canções em formato voz e violão, Luiza também trouxe convidados para participarem de três faixas.
"Quando gravei essas músicas em 2011, foi de forma caseira, num contexto tecnológico diferente, não tínhamos acesso ao que a gente tem hoje em dia. Foi superespecial, tenho um grande carinho por esse disco, mas eu queria colocar essas canções num contexto mais atual", explica. "Minha leitura nesse sentido passou pela escolha de revisitar um repertório, permitir que ele chegasse a um público maior, reencontrar as canções e pensar novos caminhos pra elas. Não de forma ingênua, mas verdadeira".
A estratégia, diz a artista - que também é parte do grupo mineiro Graveola - deu muito certo. "Fiquei superfeliz com o resultado. Teve uma boa repercussão. Até por me juntar com artistas que dialogam com as minhas canções, e eu com as deles, isso fez as minhas canções chegarem mais longe".
A tática de regravar adicionando um feat, defendida por Nando Reis, também atraiu o cantor e compositor paulista Wem. Em 2019, o músico chamou uma convidada para gravar com ele uma versão de "Se Eu Te Encontrar", faixa que havia sido lançada apenas três anos antes.
"Valeu muito a pena. A canção ganhou novo colorido e chegou a outras pessoas", conta.
Os números atestam: a faixa regravada é a mais popular de Wem no Spotify e tem 20% a mais de plays do que a gravação original.
"No Brasil, essa onda de reprocessar os próprios hits ainda está mais restrita às turnês de retorno e aos registros desses shows e turnês, mas creio que as iniciativas de regravar em estúdio podem aumentar", prevê Thales de Menezes.
O crítico, no entanto, não é um entusiasta da ideia.
"Sejam quais forem as intenções, é um sinal de empobrecimento da cena, sem dúvida. Já vejo com restrições essas bandas que voltam para a estrada só para tocar antigos hits, sem produzir algo novo, então entrar de novo no estúdio só para umas releituras me parece preguiça demais".
Mas regravar pode ser um meio legítimo de tentar conquistar a já tão disputada atenção do público, defende Luiza Brina.
"Um artista que busca viralizar não está pautado por mercado, mas pelo desejo de alcançar mais gente, ecoar em mais lugares".
Para Rick Bonadio, não deveria haver tabu com este tema:
"Um sucesso sempre merece ser regravado e atualizado. Música boa serve pra isso: ser eterna".